Um quê de carnaval

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Publicado Segunda, 10 de Dezembro de 2012 às 09:34, por: CdB

Para o movimento LGBT, a Parada é sua expressão máxima, seu espaço de “se mostrar para fora”, com suas bandeiras de luta e suas cores

10/12/2012 

Mariana Oliveira 

 

O fenômeno não é novo e, contradizendo todas as análises de descenso das lutas de massas, a cada ano que passa coloca mais gente na rua. Há quem diga que tudo não passa de um grande carnaval fora de época, mercantilizado, depravado e, por isso, despolitizado. Será?        

Entendendo o carnaval como a festa popular na qual, com a desculpa teatral e bem humorada da fantasia, de poder ser o que quiser, é possível, sim, dizer que as paradas do orgulho LGBT também são um carnaval! Ora, não é o carnaval um dos poucos momentos em que não se questiona, por exemplo, a possibilidade um homem estar vestido de mulher? O carnaval por muito tempo foi o espaço mais aberto para a vivência das transgressões do gênero. Nesse sentido, afirmo: toda Parada tem um quê de carnaval!      

Para o senso comum, a Parada é uma festa. Para os fundamentalistas religiosos, a Parada é uma afronta à moral e aos bons costumes, uma depravação em plena luz do dia. Para o mercado, é um espaço promissor. Para uma parte da esquerda, a Parada é despolitizada. Para as bichas, travas, giletes e sapatões, a Parada é o espaço de, pelo menos uma vez ao ano, sentir orgulho de sermos quem somos, esbanjando alegria, fazendo “pegação” embaixo da bandeira, exibindo nossos corpos seminus, corpos estes marcados pela opressão cotidiana, mas, acima de tudo, corpos que gritam por liberdade. Para o movimento LGBT, a Parada é sua expressão máxima, seu espaço de “se mostrar para fora”, com suas bandeiras de luta e suas cores. É o momento em que as teorias dão lugar à exposição da transgressão, momento dos corpos-políticos se manifestarem.     

A Parada do Orgulho, por ser a expressão de visibilidade do movimento LGBT atual, expressa também, além das bandeiras de luta (criminalização da homofobia, matrimônio igualitário, direito à identidade de gênero e etc.), as contradições desse movimento, hoje hegemonizado pelas organizações não governamentais. As Paradas são a expressão social e política dessa fase do movimento LGBT brasileiro, marcada por suas relações com o Estado e o mercado. Relações facilmente visualizadas na presença de trios elétricos das principais boates e páginas de relacionamento “GLS”, nos discursos de parlamentares, representantes de secretarias e programas de governo de combate à homofobia, e etc. Neste sentido, a Parada é, tanto na forma quanto no conteúdo, passível de mudança, na medida em que se alteram as condições da luta e na medida em que se altera o próprio movimento e suas relações.               

Além de ser a expressão de um movimento, as Paradas são, também, a expressão da transgressão! O momento de subversão das normas sexuais. O momento onde “xs transgressorxs” da norma heterossexual ocupam as ruas para exigir seus tantos direitos negados pelo Estado. E lutar por direitos dessa maneira que, de tão alegre, gera desconforto, não é menor ou menos importante. É mais uma das tentativas de dialogar com a sociedade, não mais no grito como fomos ensinados, mas na irreverência, exibindo nossos corpos mutantes, que tanto incomodam os defensores da norma binária. A manifestação com o corpo é a nossa maneira de gritar que nossos corpos são nossos e só nossos.      

Mas as Paradas do Orgulho não se resumem à luta por direitos e desconstrução de uma moral conservadora. Falar em orgulho LGBT é reconstruir de forma coletiva uma autoestima cotidianamente abalada, é reascender em muitos de nós o desejo de viver sendo exatamente quem somos. É dizer ao mundo que, para nós, nossa sexualidade não é motivo de vergonha e sim de orgulho e alegria.     

 

Mariana Oliveira é militante da organização Consulta Popular 

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Edição digital

 

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