Um corpo na praia

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Publicado Terça, 08 de Setembro de 2015 às 12:22, por: CdB
Por Tarcisio Lage, Hilversum, Holanda:
DIRETO-CONVIDADO115.jpg                 Crise atual com migrantes querendo entrar na Europa é consequência do colonialismo
As armas e os Barões assinalados Que da Ocidental praia Lusitana Por mares nunca de antes navegados Passaram ainda além da Taprobana... E o que tem haver os Lusíadas com o corpo do menino sírio morto na praia e que acendeu a indignação momentânea de quase o mundo inteiro? Tem sim. Se levarmos em conta que Os Lusíadas de Camões talvez seja o maior hino ao colonialismo. Dizemos indignação momentânea, porque infelizmente assim será, a não ser para uns poucos militantes de pequenos grupos. No dia a dia dos europeus, entretanto, pouca gente está disposta a ir até as últimas consequências na luta pela destruição do “Forte Europa” e permitir a livre entrada de imigrantes. Aliás, isso não existe ainda em lugar nenhum do mundo. Na verdade, estamos diante de dois fenômenos que acompanham a humanidade desde seus primórdios: migração e guerra. A globalização promovida pelo bípede chamado ser humano vem de muito longe, graças a sua capacidade de se adaptar a qualquer clima e, mais do que isso, sua destreza de modificar a natureza em função de seus objetivos. “A mão humanizou o macaco”, dizia Engels. Muito antes das naus portuguesas indo além da Taprobana, os exércitos de Alexandre da Macedônia foram grandes exemplos do expansionismo pela força, de lutar pela globalização de uma cultura, a grega, destruindo ou passando por cima de outras civilizações. A resistência a tais invasões está na origem da maioria das grandes guerras. E continua no mundo contemporâneo com a existência de um império que pode destruir o mundo inteiro com o clicar de um botão. A migração sempre teve duas vertentes. A migração pela força, pela ocupação e migração defensiva, de gente procurando um lugar para viver, geralmente pessoas de países ou regiões ocupadas pela força. O que acontece hoje nas praias europeias tem ainda a ver com o expansionismo colonialista europeu incrementado no final do século XV. No Continente Americano os nativos não puderam resistir aos canhões, os trabucos e a cavalaria vindos das naus e caravelas. No entanto, o colonialismo, aos expandir sua cultura, criou uma espécie de vitrine, um chamariz para os impérios. A princípio foi possível impedir a imigração das colônias para as metrópoles, mas isso se torna cada vez mais difícil, graças aos meios de transporte cada vez mais rápidos. Se de um lado foi impossível para os povos indígenas deter os invasores em suas caravelas, muito provavelmente a Europa não vai conseguir deter a onda de imigrantes vindas das ex-colônias e utilizando todos os meios de transportes imaginados. É o troco. A tragédia no mediterrâneo é uma indicação muito forte de que não será possível segurar indefinidamente a onda de imigrantes, que o esplendor e a pureza racial dos impérios são coisas do passado. Os cadáveres boiando nas costas do Continente são um aviso de que o “Forte Europa”, sonho da direita, não resistirá, a não ser que o mundo mergulhe novamente em novo período nazi-facista. Evidentemente, não podemos esquecer o perigo do fanatismo religioso, que tem hoje sua expressão máxima no EI, Estado Islâmico. No entanto, infelizmente, faz parte da dinâmica capitalista sempre ter ameaças do tipo para perpetuar sua expansão. E, mais uma vez, o Estado Islâmico é um monstrengo criado pela desastrosa política dos Estados Unidos e de seus aliados europeus no Oriente Médio. Foram eles que armaram os opositores dos governos árabes, futuros integrantes do EI. A mesma coisa aconteceu no Afeganistão, quando os EUA, para lutar contra os russos que davam apoio ao governo socialista do país, armaram e treinaram os chamados “freedom fighters”, que se tornaram os talibãs. Sem ameaças, num mundo de paz, o capitalismo treme em suas bases. Para os EUA e seus aliados europeus, o EI é apenas o que eles chamam de “a bola da vez” e só vão lutar contra ele para valer quando isso servir a seus interesses. No momento, por exemplo, para concentrar os esforços na destruição do EI, há a necessidade de diminuir a pressão sobe a Síria (inimiga de morte do EI) e aceitar uma frente ampla com a Rússia e a China para combate-lo. Não creio que no momento isso seja possível. Ainda vai ter muitos cadáveres nas praias europeias. Tarcísio Lage, jornalista, escritor, começou na Última Hora de Belo Horizonte no início dos anos 60. Com o golpe de 1964 teve de deixar a cidade e o curso de Economia na UFMG. Até 1969, quando foi condenado pela Injustiça Militar, trabalhou em várias redações do Rio e São Paulo. Participou da tentativa de renovação da revista O Cruzeiro e da reabertura da Folha de São Paulo, em 1968. Exilado no Chile no final de 1969, trabalhou, em seguida, em três emissoras internacionais: BBC de Londres, Rádio Suiça, em Berna, e Rádio Nederland, em Hilversum, na Holanda, onde vive atualmente. As Tranças do Poder é seu último livro. Direto da Redação é um fórum, editado pelo jornalista e escritor Rui Martins.
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