Terras Indígenas, um grande negócio

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Publicado Sexta, 25 de Setembro de 2015 às 10:47, por: CdB
Por Maria Fernanda Arruda – do Rio de Janeiro: Gerações aprenderam na escola que o Brasil foi descoberto em 1500, onde Pedro Alvares Cabral encontraria os índios, logo ofertando a eles uma primeira missa. Hoje, postas de lado as versões inventadas pela História Oficial, as crianças são informadas sobre a invasão ocorrida naquele ano, quando os portugueses navegantes se encontraram com os povos habitantes e senhores daquelas terras. Estimativas, por razões evidentes, e mais que vagas: seriam entre 6,8 milhões e 1 milhão. Como informa o IBGE, hoje são 900 mil, uma população que tem crescido a partir de 1980, compreendendo 300 etnias e aproximadamente 274 línguas.
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Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras O aldeamento dos indígenas - sua reunião e sedentarização sob autoridade de missionário ou de autoridade laica - era prática antiga
Na escola, as crianças aprendem o que não quis e não quer saber o homem branco, dono e proprietário de todas as terras e matas. Para os jesuítas, aqueles reais senhores dessas terras foram tratados como almas a serem conquistadas para a Igreja, Anchieta e Nóbrega, que se fizeram santos heróis europeus em terras da América. Mas os jesuítas foram expulsos do Brasil em 1759. O que fazer com os silvícolas? Participação na história dos homens brancos? Poucas e discutíveis. Na guerra da Independência da Bahia, os índios, então chamados “caboclos”, foram vestidos como heróis e são celebrados a cada 2 de Julho. Além disso, o movimento indianista vivido pelas letras brasileiras: as Americanas, de Gonçalves Dias; O Guarani, Iracema, Ubirajara, de Jose Alencar; A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães. José de Alencar estudou a língua tupi e utilizou seu vocabulário em seus romances. Mas os indianistas brasileiros estavam ainda mais próximos da Europa de Chateaubriand do que dos habitantes das terras da América. O aldeamento dos indígenas - sua reunião e sedentarização sob autoridade de missionário ou de autoridade laica - era prática antiga, iniciada ainda no século XVI. As “missões”, que levava à redução das terras indígenas, No Segundo Império cuidaram delas as Câmaras Municipais, sedentas de terras, tomando-as dos índios,assentados em poucas aldeias: consolida-se a convicção demais conveniente: os índios são poucos e não carecem de tantas terras. A Lei de Terras, de 1850, inaugura a agressão ilimitada às terras das aldeias indígenas. Dai a pergunta de resposta pronta: onde estão os índios? A província do Ceará foi a primeira a negar a existência deles em suas terras; em 1853 é o Sergipe que define sua inexistência. Adornado em sua túnica produzida com penas de papagaios, o pequeno Imperador de longas barbas tranquiliza-se: não há mais índios no Brasil. José Bonifácio já havia alertado: “os índios são os legítimos proprietários das terras que ainda lhes restam, pois Deus lhas deu”. Inaplicável, a Lei de Terras não pode dizer respeito a eles. Em 1912, o jurista João Mendes Jr é taxativo: “As terras dos índios não podem ser devolutas. O título dos índios sobre suas terras é um título originário, que decorre do simples fato de serem índios: esse título do indigenato, o mais fundamental de todos, não exige legitimação”. Contrariando o mais elementar bom-senso, negando a forma mais indiscutível de Direito Natural, sob benção da Santa Madre Igreja e a sabedoria do Imperador, a Lei de Terras inaugurou a política mais agressiva em relação às terras das aldeias. O massacre promovidos desde os primeiros tempos com os bandeirantes, que os “caras-pálidas” transformaram em estátuas de heróis, foi a regra implementada sem descanso a partir de 1850, procedendo-se a uma expropriação total. Eventuais embargos legais, passaram a ser levantados com a emancipação dos índios que passavam a ser entendidos como “aculturados”. Ou ainda, muitas aldeias de Goiás, Ceará, Sergipe, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo passavam a ser declaradas extintas, sob alegação de que abrigavam populações mestiças.
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O que são então os povos indígenas no Brasil do século XXI? No Sul restam 75 mil, no Rio Grande do Sul representando 0,4% da população, 8,9% em Santa Catarina, 0,33% no Paraná. Em fins do século XIX, quatro indígenas foram levados do Rio Grande do Sul para serem exibidos em circos europeus. Em São Paulo, são 44,8 mil, representando 0,11% da população. Os kaingangs que habitavam todo o vale do rio Peixe, foram chamados de coroados pelos antropólogos. Esta tribo enfrentou e resistiu a colonização branca. Já os Cayúas que habitavam o vale do rio Paranapanema, à sua direita, tinham terras de campos agricultáveis, os primeiros a desaparecer. Por último, os Xavantes, considerados sociáveis, ocupavam toda bacia inferior do Rio Pardo (Mato Grosso) atravessando o rio Paraná (São Paulo) indo se estabelecer nos campos de Jaquaretê e Laranja Doce. Estes oferecendo grande resistência. Quase sempre foram sangrentos os contatos entre índios e pioneiros. Os verdadeiros habitantes da terra lutaram muito, mas, foram dizimados pelos colonizadores. O empenho de um militar, Cândido Rondon, de formação positivista, foi decisivo na criação de um primeiro órgão de proteção aos índios, o SPI – Serviço de Proteção ao Índio, que não impediu a transferência de terras para colonização, defendendo o respeito e o trato amigável com os indígenas, o que não foi mais do que uma exceção, com gente como os Irmãos Villas Boas e o médico sanitarista Noel Nutels. Sob a égide de um governo tíbio, o Congresso Nacional pretende assumir a tarefa de demarcação das terras indígenas, o que em termos práticos significa entrega-las aos ruralistas comandados pela ministra Katia Abreu. Nos últimos meses, a ação de pistoleiros vai se multiplicando, animada pela fraqueza de um Ministério de Justiça omisso. Os abusos vão tomando todas as formas possíveis. Recentemente, a Agência Nacional de Petróleo lança pré-edital de licitação para exploração de petróleo em sete blocos próximos de 15 terras indígenas, sem qualquer consulta prévia à FUNAI. Avá Uerá Arandú é um dos líderes do povo Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul. Doutorando em Antropologia no Museu Nacional da UFRJ, ele tem a voz que fica muito acima dos grunhidos dos matadores, que não são gente simples e nem mesmo jagunços. São pessoas ricas, recrutadas pelas organizações ruralistas e por políticos. É o índio antropólogo que nos diz o que é obrigação nossa saber: “Há fontes consistentes e diversos documentos oficiais que comprovam essa história recente de compra e venda das terras indígenas, envolvendo no comércio dessas terras somente para a elite, a classe rica, políticos poderoso e os agentes dos governos. Os povos indígenas foram expulsos e dispersados. O Estado-Nação brasileiro doou e vendeu as terras indígenas: isso é uma imensa dívida histórica no Mato Grosso do Sul”. A política de genocídio do índio, praticada pelos bandidos brancos, é uma tradição profundamente arraigada entre nós. Os ruralistas brancos têm poder de dinheiro e político. Comandam a Polícia e a Justiça. Agora, são donos do Ministério da Agricultura e estão próximos de conseguir a "solução final". Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras.
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