Uma exposição em Berlim de arte moderna da coleção do neto milionário de um industrial nazista condenado provocou revolta entre grupos judaicos e está criando uma disputa acirrada sobre como as gerações mais jovens devem lidar com a culpa de seus antepassados.
O colecionador de arte e antigo playboy Friedrich Christian Flick emprestou 2.500 obras ao museu de arte contemporânea de Berlim. A exposição, que inclui trabalhos de muitos artistas de renome, será inaugurada na próxima terça-feira pelo chanceler Gerhard Schroeder.
Flick vem sendo criticado por não ter contribuído aos fundos de compensação para pessoas que fizeram trabalho forçado sob o regime nazista.
Seu avô, também chamado Friedrich Flick, empregou até 50 mil trabalhadores forçados e detentos de campos de concentração em suas siderúrgicas e carvoarias.
Flick disse que sua intenção é que a exposição no Hamburger Bahnhof, em Berlim, acrescente um capítulo mais iluminado à história sombria da família. Mas mesmo seus próprios irmãos são contra o uso do nome Flick na exposição.
Em carta aberta que enviou a Flick em maio, Salomon Korn, vice-presidente do Conselho Central de Judeus da Alemanha, disse: “O belo brilho de sua coleção de arte, obtida com o dinheiro arrecadado por seu avô à custa de muito sangue, vai apenas refletir o lado sombrio da dinastia Flick.”
“Será a próxima novidade uma coleção Goering?”
Friedrich Flick, o avô, deu apoio financeiro a Hitler e beneficiou-se do programa nazista de “arianização”, pelo qual empresas eram confiscadas de seus proprietários judeus.
Depois da 2a Guerra Mundial, ele foi julgado em Nurembergue e condenado a sete anos de prisão, mas serviu apenas três anos da pena. Em seguida, reconstruiu seu império comercial. Ao morrer, em 1972, ocupava o quinto lugar na lista das pessoas mais ricas do mundo.
Em 1986 sua família vendeu seu conglomerado ao Deutsche Bank por 2,5 bilhões de dólares.
Friedrich Flick, o neto, queria construir um museu para abrigar sua coleção na Suíça, onde ele vive hoje, mas enfrentou protestos de grupos culturais e judaicos. Então ofereceu a coleção às autoridades culturais de Berlim, que a aceitaram.
“Não acredito na idéia de herdar uma culpa”, disse Flick. “Acho que podemos herdar uma responsabilidade.”
Ele defendeu o fato de não ter contribuído para fundos de compensação, dizendo que prefere assumir responsabilidade pelo futuro: criou um fundo de combate à xenofobia.
Mas sua atitude vem ofendendo grupos de vítimas.
Michael Fuerst, do Conselho Central de Judeus, disse ao jornal online Netzzeiting: “Até hoje Flick vem se negando a fazer o menor gesto de boa vontade em relação aos trabalhadores forçados na fábrica de seu avô.”
Um grupo de artistas alemães que querem que Flick pague compensação prometeu esta semana atrapalhar a exposição em Berlim com um folheto falso oferecendo ingresso gratuito à exposição a trabalhadores forçados.
“Ele (Flick) vive fora do país desde 1962”, disse a professora de arte contemporânea Renate Stih, em Berlim. “Ele não sabe o que se discute na Alemanha, nem que o consenso aqui é recordar.”
Stih disse que Berlim, que está erguendo um memorial de 34 milhões de dólares em homenagem aos judeus assassinados na Europa, é a capital da cultura da memória.