Obama, o xadrez da nova doutrina

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Publicado Quinta, 08 de Abril de 2010 às 20:51, por: CdB

A assinatura do novo tratado de redução de armas nucleares entre Rússia e Estados Unidos é extremamente relevante para não ser saudada pelo campo progressista como um benefício para a humanidade. Afinal, como escreveu Karl Marx, o consumo militar “no sentido propriamente econômico é o mesmo que se uma nação deitasse à água uma parte do seu capital". Durante anos, os partidários da corrida armamentista afirmaram que o aumento de despesas militares significava incremento da produção bélica e, por conseguinte, ampliação do mercado de trabalho.

À primeira vista, a tese que embalou o Keynesianismo de guerra, era de uma lógica implacável, pois se amparava em evidências históricas como a militarização da Alemanha Nazista que acabou com o desemprego no país. Nos anos 1960, no entanto, V. Leontiev, um economista norte-americano, mostrou a falácia do arrazoado imperialista. Calculando que uma redução dos investimentos militares em US$ 8 bilhões liquidaria 254 mil postos de trabalho, o autor constatou que uma reorientação desse montante no setor civil criaria 542 mil novos empregos, ou seja, uma redução de 288 mil de desempregados nos EUA. Como se vê, o desemprego é constitutivo de um modo de produção específico e não da ausência de guerras. Estas são conseqüências de um jogo permanente de reforço de hegemonia.

Se o novo tratado de desarmamento nuclear que sucederá ao Start 1 tem valor inestimável, a divulgação da nova doutrina de defesa contém ambigüidades preocupantes. Apresentado como estratégia que serviria como divisor de águas entre a administração de Barack Obama e a de George W. Bush, o documento, ao mesmo tempo em que reduz os cenários em que os EUA utilizariam seu arsenal atômico, aponta para um multilateralismo enviesado.

Ao afirmar que não fará ataques nucleares a países que respeitem o Tratado de Não Proliferação (TNP) e outros acordos internacionais, Obama admite a possibilidade de um golpe atômico contra o Irã e a Coréia do Norte. O emprego da força unilateralmente, sempre que julgar necessário, não reorganiza a política externa deixada pelos republicanos. Ao contrário, reitera o legado com um discurso supostamente moderado e conciliador.

Que Resolução anterior do Conselho de Segurança da ONU daria aos Estados Unidos o direito de empreender ações militares contra as duas nações para puni-las por sua resistência a inspeções externas? Que base legal lhes confere autoridade permanente para exigir de Estados soberanos adesão incondicional aos termos de qualquer acordo? Com efeito, há outros países que possuem armas de destruição massiva, como por exemplo, Israel e Índia, mas isso não parece preocupar o presidente norte-americano.

Israel, é bom lembrar, não só se recusou a assinar o TNP como, com apoio incondicional dos Estados Unidos, ignorou as decisões que invalidaram as anexações de Jerusalém Oriental e Gola, e que exigiam a retirada completa do território do Líbano. E o Conselho de Segurança nunca invocou o capítulo 6 da Carta das Nações Unidas que prevê o uso de força em casos de ameaça à paz e à segurança.

No tabuleiro geopolítico, tal como no jogo de xadrez, os jogadores movimentam alternadamente suas peças, cabendo a primazia das iniciativas a quem joga com as brancas. A política externa brasileira, para desespero de uma oposição voltada para a subalternidade, tem demonstrado extrema habilidade no uso de Peões, Damas, Torres, Bispos e Cavalos. Antes de definir o equilíbrio necessário, urge precisar o real significado do que vem a ser terrorismo e como ele se movimenta entre as casas. Celso Amorim sabe que, quanto menos visíveis as intervenções, mais demoradas e profundas elas costumam ser.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Correio do Brasil e do Jornal do Brasil

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