Por CarloZaraujo 24/06/2011 às 03:07
O modo de falar nas delegacias de polícia, a gíria policial, geralmente repetida pelos repórteres policiais em homicídio doloso da culta língua, dá para compor um verdadeiro glossário de jargões a ser adotado por mediocridades da imprensa cabocla. Não vale a pena ser preciso com as palavras.
Linguagem da Imprensa Sangrenta
Aprecio as pessoas que cultivam a forma correta de falar. O Coronel Jarbas Passarinho, acadêmico, escritor e jornalista, grande conferencista, é uma dessas pessoas. Um dia, assistindo a uma palestra na quadra de esportes da Escola Agrícola, ouvi dele a seguinte anedota:
Charles Webster, famoso dicionarista da língua inglesa, entrou repentinamente em seu gabinete de trabalho e encontrou o secretário aos beijos e abraços com sua esposa. A mulher, baixando a saia nervosamente falou:
? Estou surpresa.
Ao que o lingüista, primando pelo significado, argüiu:
? Surpreso estou eu. Você está surpreendida!
O modo de falar nas delegacias de polícia, a gíria policial, geralmente repetida pelos repórteres policiais em homicídio doloso da culta língua, dá para compor um verdadeiro glossário de jargões a ser adotado por mediocridades da imprensa cabocla. Não vale a pena ser preciso com as palavras.
O uso desta ?sub-língua? se estende a policiais civis, militares, delegados e aos agregados do mundo policial e baseia-se na ?prima bastarda? do reputado ?bandidês?. Quando o cidadão entra em uma delegacia ou passa por uma batida policial já percebe a existência de outro idioma, só entendido pelos ?iniciados?.
O estudo da gíria, calão ou jargão tem sido objeto do interesse de disciplinas como a Sociologia da Linguagem, a Sociolingüística, a Lexicologia, a Semântica, a Sociologia e a Psicologia Social. Porém tivemos o cuidado de observar o corpus da língua oral, neste caso. Segundo os estudiosos a gíria da polícia relaciona os fatos sociais pertinentes à criação desse tipo de gíria. Estes são os limites da Sociolingüística e da Sociologia da Linguagem, isto é, numa perspectiva de interação entre língua e sociedade, considerando-se aquela como reflexo desta.
A linguagem policial, ou ?truculês?, pertence a um panorama histórico a partir de assimilações que o agente faz da linguagem dos bandidos ? um mecanismo espontâneo de auto-proteção, truncada do ?bandidês? com o propósito de dificultar o entendimento até por parte dos bandidos. No entanto este fenômeno lingüístico marginal tem gerado, nas redações, um vocabulário paralelo, anti-jornalístico e se incorporou a um contexto que recai sobre a notícia sangrenta.
Vocábulos: nacional, elemento, 171, alcunha, vulgo, meliante, conduzido, presunto?
Expressões: a casa caiu, acerto de contas, bala perdida, queima de arquivo, evadiu-se do local, empreendeu fuga, jurado de morte, troca de tiro, presuntou, comeu farelo, positivo, operante, ninguém se coça, etc..
O cronista de humor Satanislaw Ponte Preta dizia que esta é uma ?linguagem cocoroca?, ou seja, senil e que o repórter policial seria um ?entortado literário?.
A crônica policial, voltada para a canalha, está repleta destas excrescências lingüísticas.
Nenhuma vítima de acidente ou crime vai para o hospital, mas para o ?nosocômio?. Prosseguindo na enumeração: advogado é ?causídico?, soldado é ?militar?, carro é ?viatura?, indivíduo é ?cidadão?, acusado ou suspeito é ?indivíduo?, bandido é ?elemento?, deitado de costas ou de barriga pra baixo sempre corresponde às excêntricas posições de ?decúbito dorsal? ou ?decúbito ventral?. Ninguém veste nada, ?traja?. Inimigo ou adversário é ?desafeto?. Se alguém morre na hora é ?instantaneamente? ou ?não resistiu aos ferimentos? e morreu ?a caminho? ou ?ao dar entrada?. Se quem morreu foi o bandido: ?comeu farelo?.
As gírias criam um canal parcial de compreensão entre meios sem que a linguagem particular de cada setor, tanto policial como jornalístico, seja totalmente decifrada. A norma culta, nosso modelo brasileiro de comunicação verbal perde, mais uma vez, para os vícios do populacho. Os policiais estão certos. Mas a imprensa foge, mais uma vez, do seu dever de educar.
Mas, como disse um apresentador da televisão cabocla, ?se deu para entender, então tà certo?!
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