O Resgate da Memória

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Publicado Sábado, 27 de Fevereiro de 2010 às 10:06, por: CdB

O debate a respeito do Plano Nacional de Direitos Humanos apresentado pelo Governo Lula, via Ministério da Justiça, principalmente, no tocante à revisão da Lei da Anistia e da Comissão Nacional da Verdade tem sido acalorado e em tom, às vezes, acima do que se espera em uma sociedade que se queira pluralista e democrática.
 
Venho acompanhando, com atenção e interesse, as opiniões manifestadas, sejam elas, políticas ou jurídicas. Cito, de início, o descontentamento da área das forças armadas e seus representantes, inclusive do Ministro da Defesa e do Presidente do Superior Tribunal Militar, seguido por artigo judicioso do ex-Ministro Paulo Brossard, todos defendendo que a Lei da Anistia foi recíproca e, agora, não seria possível, pelo nosso ordenamento jurídico, rediscutir a matéria, sob pena de se ferir direitos adquiridos daqueles que, eventualmente, pudessem, em tese, ser processados pelos crimes cometidos no período de exceção. Por outro lado, setores mais progressistas, incluído aqui o Secretário Nacional de Direitos Humanos, que propôs o texto tão atacado pelos militares, além de organizações da sociedade civil, como Tortura Nunca Mais, OAB e destaco, também, artigo de Silvio Tendler em forma de carta dirigida ao Ministro Nelson Jobim, estes acreditando que a nação possui o direito inalienável de saber o que ocorreu nos anos de chumbo, onde estão os desaparecidos políticos daquela época, quem foram os mandantes de tais atos ilegais e quem os praticou, desejando conhecer, singelamente, a verdade dos acontecimentos, para que eles não se repitam.
 
Países próximos a nós passaram por ditaduras recentes e enfrentaram a questão. Argentina e Chile estão rebuscando o passado, sem que se fale em ruptura ou quebra do pacto democrático, acertando suas contas com a história e preservando a memória política para suas gerações futuras.
 
Embora o debate jurídico possa ganhar corpo, a questão é essencialmente política, devendo ser resolvida pelos atores em geral da sociedade organizada em conjunto com o Congresso Nacional. Há de haver uma solução pactuada que preserve a memória brasileira, descobrindo e restaurando a verdade, sem revanchismo ou ressentimento.
 
Não se trata de remexer no que já deveria estar apagado e sim de trazer a lume aquilo que não se sabe o que e como aconteceu; quem praticou os atos que violavam princípios humanos básicos e sob as ordens de qual autoridade; quem exarcebou de suas funções legais e, mais importante, onde estão os corpos daqueles que foram perseguidos políticos e desapareceram.
 
O modo e a forma como se farão tais procedimentos será fruto, como disse, de um grande acordo nacional, onde inexiste espaço para vingança e se busca o caminho melhor para o encontro com a verdade e a Justiça, o que só consolidará a democracia real e material, restaurando a crença em valores universais que são caros às sociedades mais contemporâneas.
 
As forças armadas devem entender que não se realiza um projeto de tal magnitude visando perseguir esse ou aquele militar; não está em jogo o prestígio delas enquanto instituições permanentes e fundamentais para o país. É erro grosseiro e primário analisar o tema por este prisma. Deveriam elas estar interessadas em saber quem conspurcou sua farda. A apuração da verdade, ao meu sentir, as favorece, pois permite demonstrar o desvio de conduta de muito poucos, os quais acabarão se escondendo atrás de instituições hígidas e homens bem intencionados.
 
 O desdobramento desse processo, com o desenrolar das apurações, sempre pelo diálogo e com regras claras firmadas entre todos os interessados, dentro do pacto nacional realizado, permitirá um amadurecimento democrático enorme, que, certamente, contribuirá para um acerto de contas com o nosso próprio passado, diminuindo o sentimento brasileiro de impunidade e irresponsabilidade que persegue a maioria da população.
 
Enfim, desejo como cidadão que se encontre o caminho adequado e certo para o resgate da memória recente brasileira. É possível. Não há o que se temer. Várias e várias nações já deram o exemplo que pode ser feito. O que nos impede? 
   
Eduardo Oberg – Juiz de Direito do TJ/RJ e Professor da Faculdade de Direito PUC/RJ

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