O impasse sírio, por Immanuel Wallerstein

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Publicado Terça, 28 de Fevereiro de 2012 às 15:38, por: CdB

Não creio que num ano ou dois assistamos à saída de Assad do poder, ou à mudança substancial do seu regime. O motivo é que aqueles que mais o denunciam não desejam de facto que ele caia. Artigo |28 Fevereiro, 2012 - 20:26 | Por Immanuel Wallerstein Manifestação contra o governo em Idlib. Foto Freedomhouse.

Bashar al-Assad carrega o peso de ser um dos homens menos populares do mundo. Quase todos o denunciam como tirano, um muito sangrento tirano. Mesmos os governos que se recusam a denunciá-lo parecem estar a aconselhá-lo a moderar os métodos repressivos e fazer algum tipo de concessões políticas aos seus opositores internos.

Mas então como ignora ele todos estes conselhos e continua a aplicar a máxima força para manter o controlo político da Síria? Por que não há intervenção externa para provocar o seu derrube? Para responder a estas questões, comecemos por avaliar as suas forças. Para começar, ele tem um exército razoavelmente poderoso e, até agora, com poucas exceções, o exército e outras estruturas repressivas do país permaneceram leais ao regime. Em segundo lugar, ainda parece contar com o apoio de pelo menos metade da população, naquilo que está cada vez mais a ser descrito como uma guerra civil.

Os postos-chave do governo e o corpo de oficiais das forças aramadas estão nas mãos dos alauítas, uma ala do Islão xiita. Os alauítas são uma minoria da população e temem evidentemente o que lhes poderia suceder se as forças de oposição, maioritariamente sunitas, tomassem o poder. Além disso, as outras forças minoritárias significativas – cristãos, drusos e curdos – também parecem temer um governo sunita. Por fim, a ampla burguesia mercantil ainda não se voltou contra Assad e o regime do Baath.

Mas isso é suficiente? Se os apoios fossem só esses, duvido que Assad pudesse manter-se por muito tempo. O regime está a ser sufocado economicamente. O Exército Sírio Livre, de oposição, está a ser abastecido de armas pelos sunitas iraquianos e provavelmente pelo Qatar. E o coro de denúncias na imprensa mundial, e de políticos de múltiplas tendências, aumenta de volume a cada dia.

Ainda assim, não creio que num ano ou dois assistamos à saída de Assad do poder, ou à mudança substancial do seu regime. O motivo é que aqueles que mais o denunciam não desejam de facto que ele caia. Vamos analisá-los um a um.

Arábia Saudita: o ministro dos Negócios Estrangeiros disse ao New York Times que “a violência tem de parar e o governo sírio não merece que lhe deem mais hipóteses”. Soa de facto muito duro, até que se descobre que o mesmo ministro acrescentou: “a intervenção internacional deve ser descartada”. O facto é que a Arábia Saudita quer ter o crédito de se opor a Assad, mas tem muito medo do governo que possa suceder-lhe. Sabe que numa Síria pós-Assad (provavelmente, bastante anárquica), a Al Qaeda encontraria uma base. E os sauditas sabem que o objetivo número um da Al Qaeda é derrubar o regime saudita. Logo, “nada de intervenção internacional”.

Israel: sim, os israelitas continuam obcecados pelo Irão. E sim, a Síria baathista continua a ser uma potência favorável ao Irão. Mas na hora de fazer as contas, a Síria tem sido um vizinho árabe relativamente tranquilo, uma ilha de estabilidade para os israelitas. Sim, os sírios ajudam o Hezbollah, mas o Hezbollah também se tem mantido calmo. Por que iriam os israelitas querer correr o risco de uma turbulenta Síria pós-baathista? Quem assumiria o poder? Não iria querer reforçar as suas credenciais ampliando a jihad contra Israel? E a queda de Assad não abalaria a estabilidade relativa que o Líbano parece agora desfrutar? O resultado não acabaria por ser uma renovação do radicalismo do Hezbollah? Israel tem muito a perder, e não muito a ganhar, se Assad cair.

Estados Unidos: a Casa Branca fala em tom elevado. Mas o leitor reparou como é cautelosa, na prática? O Washington Post deu, a um artigo de 11/2, o título: “Perante a carnificina, os EUA não veem ‘boas opções’ na Síria”. O texto sublinha que o governo dos EUA “não tem apetite para uma intervenção militar”. Nenhum apetite, apesar da pressão de intelectuais neoconservadores como Charles Krauthammer, que é suficientemente honesto para admitir que “não se trata apenas de liberdade”. Trata-se, diz ele, de desfazer o regime iraniano.

Mas não é exatamente por isso que Obama e os seus conselheiros não veem boas alternativas? Eles foram pressionados a entrar na operação da Líbia. Os EUA não perderam muitas vidas, mas será que obtiveram alguma vantagem geopolítica? O novo regime líbio – se é que se pode falar em novo regime líbio – é melhor que o anterior? Ou é o começo de uma longa instabilidade interna, como a que abalou o Iraque?

Assim, posso imaginar o suspiro de alívio de Washington, quando a Rússia vetou a resolução da ONU sobre a Síria. A pressão para iniciar uma intervenção de estilo líbio foi suspensa. Obama foi protegido contra o assédio republicano pelo veto russo. E Susan Rice, a embaixatriz dos EUA na ONU, pôde atirar toda a culpa para Moscovo. Eles foram “repugnantes”, disse ela, oh, tão diplomaticamente.

França: Sempre nostálgica do papel outrora dominante do seu país na Síria, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Alain Juppé, grita e denuncia. Mas tropas? Deve estar a brincar. Há uma eleição à vista, e enviar soldados não seria nada popular, até porque, ao contrário da Líbia, a ação militar não seria um passeio.

Turquia: na última década, o país ampliou de forma incrível as suas relações com o mundo árabe. Ankara está de facto descontente com uma guerra civil nas suas fronteiras. Adoraria algum tipo de compromisso político. Mas o ministro dos Negócios Estrangeiros, Ahmet Davutoglu, teria garantido que “a Turquia não está a fornecer armas ou a apoiar desertores do exército”. A Turquia deseja essencialmente ter boas relações com todas as partes. Além disso, a Turquia tem a sua própria questão curda e a Síria poderia oferecer apoio ativo a esta minoria – o que, até agora, se absteve de fazer.

Portanto, quem quer intervir na Síria? Talvez o Qatar. Mas o Qatar, por mais rico que seja, está longe de ser uma importante potência militar. A conclusão é que, por mais que seja elevado o volume da retórica e por mais terrível que seja a guerra civil, ninguém quer realmente que Assad saia. Por isso, com todas as probabilidades, ele vai ficar.

Comentário nº. 323, 15 de fevereiro de 2012

Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria para o Esquerda.net

Sobre o autorImmanuel WallersteinSociólogo e professor universitário norte-americano.

Wallerstein interessou-se pela política internacional quando ainda era adolescente, acompanhando a actuação do movimento anticolonialista na India. Obteve os graus de B.A. (1951), M.A. (1954) e Ph.D. (1959) na Universidade de Columbia, Nova Iorque, onde ensinou até 1971.
Tornou-se depois professor de Sociologia na Universidade McGill, Montreal, até 1976, e na Universidade de Binghamton, Nova York, de 1976 a 1999. Foi também professor visitante em várias universidades do mundo.

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