O homem da camisa amarela

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Publicado Segunda, 27 de Janeiro de 2003 às 12:45, por: CdB

Homenagem aos 340 anos dos Correios Seu nome era Paixão. Paixão de alguma coisa ou alguma coisa de Paixão. O carteiro amigo da Rua Santa Rita, querido por todos e conhecido dos cães de guarda das casas. Além do nobre ofício de entregar cartas e encomendas cuidadosamente, prontificava-se a levar correspondências para postagem na sede dos correios. Fazia com prazer, com a paixão eu o nome lhe concebia. Rigoroso e honesto na profissão, nunca se descuidara com os papéis nas mãos calejadas. Sabia da importância de cada palavra sob sua tutela. Era o mensageiro oculto da paz, do ódio, das traições e das cobranças, entre outros assuntos procedentes das mensagens. Uma vez, porém, teve que recorrer ao bom senso e abrir uma carta. Foi a pedido de uma senhora analfabeta que recebia a primeira mensagem do filho marinheiro. Tarefa que era de dona Ruth, a vizinha, mas ela saíra. Paixão leu com cautela e carinho - lembrando do filho que partira há anos para a Amazônia - e chorou com ela nas últimas linhas, recebendo como modesta gratificação uma xícara de café e uma grande amizade. Interessante foi a segunda vez que decidiu abrir um daqueles envelopes, intrigado pela curiosidade. Morava na rua um menino excepcional, que cultivava grandiosa amizade pelo seu cão labrador de nome Migo. O garoto observava diariamente o bom trabalho de Paixão e, de sua casa, acompanhava com olhar interessado cada passo do velho. Paixão, por sua vez, já não era mais aquele homem de ânimo. Continuava o ofício, mas perdia a força das pernas - resultado dos anos de caminhada - e desacelerava a cada dia o andar. O sorriso deu lugar a uma palidez monótona, as mesmas casas, as mesmas pessoas. Deu-se que o cachorro morreu por doença, e a criança ficou desolada e solitária. Os pais o consolavam dizendo que Deus o havia pegado emprestado. "Mas por que não devolve?"- indagava o pequeno. O menino não perdeu tempo e redigiu uma carta, lacrou-a e esperou Paixão passar. Sem uma palavra, entregou-a ao carteiro com o destinatário manuscrito: A Deus. Sem endereço, nem cep, como se o carteiro fosse um anjo que com Ele se encontrasse todos os dias após o trabalho. O velho levou a carta, e depois de muito refletir, ao longo de passos inquietos e cansados, a curiosidade veio à mente. Os olhos negros do velho rejuvenesceram ao ver a mensagem: "Deus, se não tem tempo para vir devolver o meu cão Migo, manda ele pelo bom homem da camisa amarela". E Paixão concluiu que sua função era muito além de entregar cartas.

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Edição digital

 

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