Nuestra América

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Publicado Quarta, 17 de Agosto de 2011 às 10:38, por: CdB

Enquanto o capital segue às voltas com mais uma crise sistêmica, os chilenos seguem em frente

 

17/08/2010


Luiz Ricardo Leitão*

 

Regresso de uma bela viagem ao Chile, mediada pelo frio inclemente do inverno andino e o precoce calor primaveril das marchas estudantis em várias cidades do país. Já em  ruzundanga, abro os jornais e vejo Dilma enredada com as torpes declarações do vaidoso Jobim e os rumores de inquietude na caserna. Parece que os velhos machos da política tupiniquim não assimilaram a nova face da presidenta, que deixou de ser “mãe” em um mundo patriarcal para afirmar-se como mulher no sinuoso jogo da política tropical, conforme observou com rara perspicácia um sociólogo potiguar. De resto, também soam velhas as denúncias sobre a Copa de 2014 e as notícias sobre o insosso evento de sorteio dos grupos para as eliminatórias da grande farra. Por isso, peço licença ao leitor para falar dos irmãos chilenos...

Sob a ótica da globalização (ou seja, da era biocibernética de acumulação do capital), tudo segue às mil maravilhas ao sul dos Andes. Prédios monumentais de 60 a 100 andares, com fachadas resplandecentes de vidro e aço, erguem-se a todo vapor em Santiago. Sonhando com Hollywood, a elite local se espraia pelas colinas da cordilheira em suntuosas mansões e condomínios privados, afastando-se cada dia mais do coração da metrópole, onde a vida segue agitada e febril. Esse movimento agora se reproduz na própria política nacional: como enuncia o título de um livro recém-lançado, o Chile é hoje um país governado por um de seus próprios donos – e Piñera cuida da vida pública como se administrasse uma empresa, sem jamais dar ouvido aos seus cidadãos-funcionários...

O país não tem montadoras, mas firmou 56 tratados internacionais de livre comércio e inundou suas largas avenidas com carros importados, cujo preço é uma tentação para a classe média (isento de tributos, um veículo popular pode custar apenas R$ 5.000,00!). A economia ainda depende em muito das exportações de mercadorias básicas (as famosas commodities, na língua do império), especialmente do cobre, cobiçado avidamente pelos insaciáveis chineses. Um ano depois do dramático acidente com 33 mineiros em São José, os chilenos discutem se valerá a pena inundar uma vasta área ao sul do país para produzir uma hidrelétrica cuja energia se destina a prover as poderosas mineradoras instaladas ao norte do seu território.

O debate mais agudo, no entanto, trava-se na esfera social. Os estudantes secundaristas e os universitários, que a inesquecível Violeta Parra imortalizou em sua canção, saem às ruas para impedir que se reduzam as verbas para a educação e que se acelere o processo de privatização do ensino. São manifestações combativas e inusitadas, que têm sacudido as ruas de Santiago e outras urbes quase todos os dias, incomodando o governo e contribuindo para a queda recorde da popularidade de Piñera (só 26% de aprovação, a menor taxa dos últimos 20 anos).

O mais animador foi assistir à marcha dos “exilados da educação” em Buenos Aires: jovens acadêmicos de Medicina do Chile e de outras nações vizinhas também saíram às ruas em solidariedade à luta travada na terra de Jara, Neruda e Parra. Fizeram-me evocar as anotações de Mariátegui sobre a Reforma Universitária na América Latina (cf. Sete ensaios de interpretação da realidade peruana), cujo rastilho de pólvora começou em Córdoba, em 1918, e seguiu pela Pátria Grande acima, desde o Peru até Cuba. Enquanto o capital segue às voltas com mais uma crise sistêmica, eles seguem em frente: “são a levedura do pão que sairá do forno com muito sabor para a boca do pobre que come com amargura”.

Caramba y zamba la cosa, ¡Viva la Literatura!

 

*Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta da Vila, Cronista do Brasil e de Lima Barreto – o rebelde imprescindível.

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