Não só indignados, não só nas praças

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Publicado Sexta, 24 de Junho de 2011 às 16:42, por: CdB


Foto: Fotograccion
A imagem do acampamento Puerta del Sol, em Barcelona (ESPANHA),utilizada acima é do e está sob licença Creative Commons.
Tradução: Boca do Mangue.

Não me agrada o nome tão midiático de indignados. Indignação é"irritação, ira, aborrecimento veemente” (DRAE*), "um sentimento de desagrado ede rejeição por algo que fere o sentido da justiça ou da moral” (Seco, Andrés eRamos). Sem dúvida, nas praças e fora delas, muitos estamos indignados, isso éevidente. Mas não se interpreta bem o 15-M quando se lhe reduz a uma explosãode mal-estar e a uma manifestação de aborrecimento. A denominação indignadosinduz a pensar só numa emoção ou num sentimento, reação de protesto de quemsofre maltrato ("é lógico que os pobres estejam indignados pela forma como sãotratados”, se diria). À indignação se responde com uma desculpa, uma reparação,uma satisfação ("estou indignado, exijo uma explicação”, diriam). Mas oMovimento 15-M é algo muito mais profundo. Nas praças da Espanha e mais além, oque emerge durante essas semanas é o embrião de um movimento social de longoalcance. Pode se conseguir ou não e seguramente os poderes estabelecidos farãotodo o possível para abortá-lo, mas se crescer e se desenvolver poderá suporuma mudança radical na sociedade e na política espanhola. O que o 15-M diz àsociedade não o dizem só as milhares de pessoas que passam pelas praças. Estesemprestam sua voz a quem se identifica com eles e se sentem representados poreles. Ambos dizem que não se reconhecem nessa política, nesses partidos, nessademocracia. E querem que mudem, estão dispostos a fazer o possível para quemudem.

A política perdeu hoje todo o reconhecimento social. Submetida aosimperativos da economia financeira; incompreensível para os cidadãos, distantee surda às suas demandas; incapaz de erradicar o cinismo e a corrupção perdeu orespeito e a dignidade que deve merecer a gestão da coisa pública. Para amaioria das pessoas, parece um problema e como eleitores fogem dela,refugiando-se na abstenção.

Os partidos cada vez representam menos aos eleitores; convertidos emaparatos de poder, vazios de ideologia, já nem sequer representam seusmilitantes; só olham para cima, para o Governo e para as instituições, não parabaixo, para sua base social, salvo no simulacro das campanhas eleitorais.Todavia seguem sendo imprescindíveis e, se não se renovam de dentro, haveria querenová-los de fora.

Nossa democracia, fixada em compromissos fundacionais desnaturalizadospelo discurso espúrio da Transição e do consenso constitucional, construídopara apagar a memória das lutas nas quais nasceu, está atrofiada. Representamal a vontade dos eleitores; deve ser desenvolvida em aspectos fundamentais dosdireitos, da participação cidadã e da transparência da Administração pública; etem, enfim, pendente um novo pacto constitucional com as gerações que nãoconheceram sua gestação, que são hoje a maioria da população.

Mas a política não vai mudar, os partidos não vão escutar e a democraciaseguirá sendo a que é por mais que se grite nas praças as demandas das pessoas,se não se vai mais além. A ocupação da rua, que nesses dias termina por si sónão poderia conseguir isso. Não conseguirá se os movimentos das praças nãoencontrar formas de intervir eficazmente na política. Não nos equivoquemos:isso é o que desejam os poderes estabelecidos, que queriam que o movimento seesgotasse nos acampamentos de protesto, para terminar reduzido a um problema desalubridade e de ordem pública.

Ir mais além supõe a continuidade fora das praças do movimento que seiniciou nelas. Continuidade que requer objetivos, saltar para outros âmbitos enovas formas de organização e de luta. Sem dúvida, haverá que voltar às praças,voltar a ocupar a rua muitas vezes. Mas, de outros âmbitos e para retornar aelas mais fortes.

Tem que inventar as formas de organização, que já sabemos que não são asdos partidos políticos, que não devem reproduzir os aparatos de partido. E jánas praças se está inventando: redes, assembléias públicas, grupos de trabalho,comissões. A organização é indispensável para informar, coordenar e atuareficazmente. Se o Movimento 15-M sobreviveu aos primeiros dias de ocupação daspraças é porque soube se organizar. Se sobreviver no futuro é porque saberá seorganizar para permear a sociedade e estender seu tecido por toda ela: osbairros, os coletivos cidadãos, as associações e, também, os partidos e as instituiçõespúblicas.

Tem que debater e definir objetivos: tanto objetivos globais últimoscomo objetivos concretos, imediatos; de âmbito geral e de âmbito local. Naspraças se começou a fazê-lo; os objetivos propostos pela comissão de economiado Sol são um exemplo disso; outros exemplos chegam das assembléias de outrascidades e dos bairros. Podem ser o ponto no qual confluam cidadãos e coletivosmuito diversos, para o qual se orientem as estratégias e as ações do movimento.

Tem que criar as formas de luta, adequadas aos objetivos e eficazes. Aresistência pacífica é uma. As manifestações e a ocupação de espaços públicos,outras. Mas tem muitas mais, incluídas as institucionais como o voto, oupotenciais, como as consultas cidadãs, os referendos, os debates públicos, asplataformas de participação nas decisões municipais, etc.

O 15 de Maio, no Sol, abriu uma janela para o futuro, um exemplo e umaoportunidade para a mobilização cidadã, e importa muito, para aqueles quequerem que essa sociedade mude, que essa janela não se feche. A sociedade nãomuda se não se muda desde baixo. O 15-M pode ser o começo.

Nota:

*Diccionario de la Real Academia Española.

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