Impasse econômico impede avanços em Protocolo sobre transgênicos

Arquivado em:
Publicado Terça, 23 de Outubro de 2012 às 13:08, por: CdB

(6’32” / 1.5 Mb) - Durante quase todo o mês de outubro lideranças governamentais de todo o mundo estiveram reunidas em Hyderabad, na Índia. O objetivo era discutir o uso de organismos geneticamente modificados e a conservação da diversidade biológica. Além dos temas já esperados, as reuniões evidenciaram as contradições da utilização em larga escala dos transgênicos. De um lado, os interesses comerciais, e de outro, a proteção da biodiversidade.

As pautas foram discutidas na 6ª Reunião das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança e na 11ª Conferência das Partes sobre Convenção da Diversidade Biológica. O Protocolo de Cartagena, em vigor desde 2003, estabelece normas internacionais sobre os organismos geneticamente modificados.

O assessor jurídico da organização de direitos humanos Terra de Direitos, Fernando Prioste, acompanhou os eventos. Em entrevista à Radioagência NP, ele destaca a estratégia dos países desenvolvidos para diminuir os fundos de arrecadação financeira para a implementação do Protocolo. Prioste também questiona a postura do governo brasileiro, que não assinou o Protocolo Suplementar sobre responsabilidade por danos gerados pelos transgênicos.

Ouça agora a entrevista.

Radioagência NP: Fernando, faça um balanço da reunião que discutiu o Protocolo de Cartagena e da 11ª Conferência sobre Diversidade Biológica.

Fernando Prioste: Tanto a Conferência das Partes como a Reunião das Partes sobre a Convenção de Protocolo de Cartagena deixaram bastante evidente que a questão da perda da biodiversidade e os riscos associados a liberação dos transgênicos ainda é uma grande preocupação. Contudo, nesse momento, principalmente com o cenário de crise financeira na Europa, a importância com que o tema vem sendo tratado na CDB [Convenção da Diversidade Biológica] diminui. Os países do Hemisfério Norte, principalmente aqueles que compõem a União Europeia, e o Japão tenderam a esvaziar um pouco os instrumentos da CDB, dizendo que eles são de custo elevado e que no momento não tem recurso para pagar essas despesas.

Radioagência NP: Por que esses países ofereceram resistência?

FP: Até hoje os países do Norte têm maior responsabilidade de pagamento porque são os maiores responsáveis pela perda de biodiversidade, e os países do Sul recebem financiamento para conservação da biodiversidade. A tônica da União Europeia e do Japão, e de outros países, mostrou que agora o processo pode começar a inverter. Isso seria uma grande perda para os países do Sul, para os países subdesenvolvidos, e especialmente para aqueles países que diferente do Brasil não têm uma capacidade econômica tão grande, como os países africanos.

Radioagência NP: Que valores estão envolvidos?

FP: Todos os países que assinam a Convenção sobre Diversidade Biológica têm responsabilidade pelo pagamento, inclusive os subdesenvolvidos. Mas os subdesenvolvidos aportam muito menos. Os que aportam menos aportam apenas US$ 72 por um período de dois anos. Os mais desenvolvidos como, por exemplo, o Japão, estão pagando algo entorno de US$ 500 mil pelo período de dois anos.

Radioagência NP: Houve mais algum desentendimento de ordem financeira?

FP: No âmbito do Protocolo de Cartagena, ficou decidido criar dois grupos. Um para continuar fazendo análise de risco de liberação de transgênicos e outro para avaliar o que são impactos socioeconômicos derivados da liberação de transgênicos. E a surpresa veio que ao final, quando ficou pronto o orçamento para o próximo período, não havia recurso disponível para a criação desses dois grupos e para o funcionamento deles, o que soou quase como um golpe. Porque os grupos foram aprovados, mas não havia recurso para patrociná-los. E, na plenária final, a Bolívia se comprometeu a aportar recursos para o funcionamento desses grupos. É importante notar que é necessário US$ 50 mil para fazer esse grupo funcionar no período entre as sessões. Então, não é um recurso muito grande perto do orçamento dos países da União Europeia, como a Alemanha.

 Radioagência NP: Fernando, qual a importância da garantia de recursos e da efetivação do Protocolo de Cartagena?

FP: Se não existe mecanismo para implementar a decisão dos países sobre o que é importante para fazer funcionar o Protocolo de Cartagena ele praticamente deixa de existir, deixa de funcionar. Por exemplo, a gente sabe que no Brasil o Poder Judiciário não aceita muito as normas internacionais como vigentes no país, por incrível que pareça. Então, os princípios do Protocolo de Cartagena são pouco utilizados, por exemplo, em ações civis públicas que a gente tem aqui no Poder Judiciário, que falam sobre contaminação genética. O não funcionamento do Protocolo de Cartagena é quase uma desregulamentação do comércio internacional de transgênicos.

Radioagência NP: Qual foi o posicionamento do governo brasileiro em relação às responsabilidade dos danos gerados por transgênicos?

FP: O Brasil não se posicionou publicamente pela ratificação do protocolo. Porque o Brasil como grande exportador de transgênicos está entendendo, e eu acredito de forma equivocada, que a assinatura desse protocolo Suplementar ao Protocolo de Cartagena vai trazer mais ônus financeiros para o país exportar seus produtos transgênicos. O que a gente avalia, que assinar o protocolo de responsabilidades, pelo contrário, é fazer com que o país tenha segurança – em caso de algum dano – e possa responsabilizar as empresas, que são quem produzem os transgênicos, e o ônus não fique com o Estado brasileiro. Países que também ratificarem o protocolo mais para frente, como, por exemplo, a China, vão querer importar produtos de países que também já ratificaram o Protocolo Suplementar para dar mais segurança na transação comercial.

Você acabou de ouvir a entrevista com Fernando Prioste, assessor jurídico da Terra de Direitos.

De São Paulo, da Radioagência NP, Daniele Silveira.

23/10/12

Tags:
Edição digital

 

Utilizamos cookies e outras tecnologias. Ao continuar navegando você concorda com nossa política de privacidade.

Concordo