Enchentes, greves, lixo pelas ruas, medo de terrorismo e problemas até na seleção: perto do início do torneio, impressão nas ruas da capital francesa é de que se fala de tudo, menos de futebol
Por Redação, com DW – de Paris:
A Eurocopa é para ser uma grande festa do futebol: milhões de visitantes, multidões festejando na Torre Eiffel e torcedores das diversas equipes nos cafés e bistrôs da cidade. Mas não é o que se vê na capital francesa na véspera do início da competição.
Em vez disso, o país está preocupado com as lutas sindicais, com possíveis atentados terroristas, além de um debate sobre racismo que eclodiu dentro da Federação Francesa de Futebol.

Nas últimas semanas, o grande torneio passou quase despercebido nas ruas da capital francesa. Algumas lojas montaram prateleiras com artigos para fãs, com bandeiras e colares de flores artificiais em azul, branco e vermelho que ainda esperam por compradores. Os parisienses estão mais preocupados com as inundações do que com a Eurocopa.
Alguns dos principais museus da capital francesa chegaram a ser fechados, entre eles o Louvre, onde as obras de arte tiveram que ser retiradas do subsolo para andares mais elevados. Mas não somente o centro de Paris, mas também o norte da França, os arredores da capital e o Vale do Loire foram afetados. Os danos são estimados entre 900 milhões e 1,4 bilhão de euros. Vinte mil pessoas tiveram de deixar suas casas. Houve vários feridos e algumas mortes.
Greves nas ferrovias, lixo pelas ruas
Além da inundação, a luta dos sindicatos contra os planos do governo de uma reforma do mercado de trabalho tira o fôlego da Grande Nation. As greves nas ferrovias, na coleta de lixo e nas refinarias de petróleo francesas também prosseguem. Diversas ligações ferroviárias estão interrompidas, enquanto o lixo se amontoa em alguns bairros parisienses.

Ao menos nos postos de combustível o pior já passou: depois dos gargalos dos últimos dias, há novamente gasolina e diesel suficientes. E outra boa notícia: os controladores de tráfego aéreo cancelaram a greve planejada para este fim de semana. Mesmo assim, o clima é tenso: o empresário Pierre Gattaz, presidente do conselho francês de empregadores, chamou os grevistas de “terroristas” – e isso passados pouco mais de seis meses dos atentados em Paris.
Também os ataques de 13 de novembro afetam o comportamento de franceses e dos turistas da Eurocopa. Os organizadores estão cientes disso e, por esse motivo, se esforçam em tomar o máximo de precauções de segurança possíveis, como o ministro francês do Interior, Bernard Cazeneuve, assegurou repetidamente.
Cerca de 90 mil forças de segurança estarão em ação para proteger os visitantes da Eurocopa. Mas, recentemente, o Departamento de Estado norte-americano reiterou seu alerta de vigilância: estádios e zonas de fãs podem se tornar alvos de atentados.
Os efeitos do medo do terrorismo também são sentidos pelos operadores de hotéis das dez cidades-sede do evento. A França estava esperando 2,5 milhões de visitantes estrangeiros. Essa expectativa, no entanto, parece estar bem longe da realidade:
– Há uma estagnação no número de reservas e, em algumas cidades, até mesmo uma diminuição – afirmou Laurent Duc, presidente da associação da indústria hoteleira UMHI, ao jornal alemão Die Welt. “Em cidades como Lyon, Bordeaux e Marselha, a taxa de ocupação não passa de 50% em alguns jogos.”
Crise na seleção
Mesmo assim, é desejo dos organizadores da Eurocopa que, a partir de agora, todas as atenções se voltem para o esporte. É claro que a expectativa é de que a seleção francesa se destaque e continue até o fim do torneio.
Mas, também aqui, as manchetes não são as melhores, depois que o atacante Karim Benzema acusou o técnico da seleção francesa, Didier Deschamps, de ceder à pressão dos racistas ao não convocá-lo para a Eurocopa 2016.
Benzema parece esquecer, porém, que foi o seu suposto envolvimento na extorsão do colega de equipe Mathieu Valbuena que levou à sua não convocação para a Eurocopa. Isso provocou reações na imprensa:
– Fazer as piores acusações ao seu mentor é um sinal de burrice – opinou o jornal Midi Libre. Na emissora de rádio France Info, o ex-jogador campeão mundial Liliam Thuram acusou Benzema de incitar o ódio: “Com suas declarações, ele arrisca desestabilizar toda a equipe.”
Chuvas intermitentes, acusações de racismo, caos no trânsito e medo de terrorismo, como é possível a alegria tomar conta das ruas na véspera da Eurocopa? Políticos do Partido Verde, como o franco-alemão Daniel Cohn-Bendit, não se deixam impressionar pela atmosfera supostamente ruim.
Ele diz achar que a relutância atual em entrar em clima de festa não é nada incomum. “É costume na França, onde ninguém agita bandeiras antes da hora”, afirma o político. “Esse também foi o caso na Copa de 1998. Quando o campeonato começa, vestem-se as camisetas.”
Se é assim, então os franceses podem ficar despreocupados –naquela ocasião, eles se tornaram campeões mundiais em casa.