Feliz Natal, Brasil

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Publicado Segunda, 23 de Dezembro de 2002 às 19:16, por: CdB

Natal significa nascimento. A fé cristã celebra, a 25 de dezembro, a irrupção de Deus entre a família humana, na pessoa de Jesus. "No seio de Maria, Deus se fez homem; na carpintaria de José, Deus se fez classe", proclama o poema de Dom Pedro Casaldáliga. Na Palestina do século I, dominada pelo imperialismo romano, aconteceu um fato inusitado: o primo de João Batista, que fora preso e assassinado por denunciar a corrupção dos governantes, manifestou-se como o Messias anunciado pelos Profetas e esperado pelo povo de Israel. Mas nem todos foram capazes de identificar Deus-feito-homem na figura de Jesus. Os preconceitos eram muito arraigados. "Como pode vir algo que preste de Nazaré?", indagou Natanael (João 1, 46). Aos olhos dos fariseus, o Messias deveria vir coberto de glórias, tão poderoso quanto Davi ou envolto no esplendor de Salomão. Para indignação dos bem-pensantes, os pobres identificaram a Presença Divina naquele jovem que percorria a Galiléia cercado de pescadores e publicanos, sem uma pedra onde recostar a cabeça, cheio de compaixão para com prostitutas e pecadores, e rigoroso com ricos e poderosos. Da natureza divina de Jesus emanava vida - o dom maior de Deus. "Vim para que todos tenham vida e vida em abundância" (João 10, 10). Jesus não pregava a si mesmo, mas a vida. Hoje, nós, cristãos, pregamos Jesus e nem sempre defendemos a vida em sua radicalidade. Há cristãos que apóiam o assassinato de bandidos, a pena de morte, a escravização de agricultores e o extermínio de crianças de rua. O Evangelho demonstra que tudo aquilo que produz morte - opressão, legalismo, enfermidade, desamor, injustiça - era objeto da severa crítica de Jesus. O doce Jesus, dedicado à conciliação entre quem ostenta riquezas e quem cata comida no lixo, só existe na imaginação daqueles que ignoram a paz como filha da justiça. Natal não é época de dar e receber presentes. É época de se dar e fazer-se presente. O consumismo neoliberal pretende substituir a figura de Jesus pelo mito de Papai Noel, menos incômodo a seus propósitos. Celebrar o nascimento de Jesus é, no mínimo, renascer com Ele, abandonar as atitudes que produzem indiferença, mágoa e sofrimento, e engajar-se na luta pela vida: o combate à fome, a conquista do direito de cidadania, o aperfeiçoamento da democracia. O Natal vai do mais íntimo do coração humano - livrar-se de ressentimentos, impulsos vingativos, fantasias funestas - ao mais abrangente projeto social, de se construir uma convivência política na qual a vida seja economicamente acessível a todos, sem exceção. Fazer-se Natal em Cristo é deixar morrer o homem e a mulher velhos que nos habitam e emergir o homem e a mulher novos que fazem do amor a matéria - prima e última - de todo programa centrado no advento de novas relações, pessoais e sociais. Este Natal coincide com o advento de novos governos para o Brasil. Após um longo período de governos corporativos, plenos de retóricas e vazios de políticas sociais, a nação conta com governantes comprometidos, em tese, com a erradicação da miséria, o aumento do nível de emprego, as reformas tributária e agrária, a restauração dos sistemas educacional e de saúde. Em sua campanha e em seu programa, Lula, o Presidente eleito, prometeu vida para essa imensa maioria da população injustamente ameaçada de morte por falta de condições mínimas de sobrevivência. Sabemos que ele não fará milagres. Porém, a nação tem o direito de exigir que cada medida de governo seja coerente com as promessas eleitorais e as demandas sociais urgentes. "A fome é ontem", dizia Gabriela Mistral. Se alguém deve ter paciência e esperar a vez são os que estão com cofres cheios e corações vazios. Primeiro, é preciso estar atento àqueles que nasceram em manjedouras, alijados das mínimas condições de vida decente. Como os pastores de Belém, devemos dar glória a Deus que habita o recôndito de nossos corações, na esperança de que esta menina tão bela e frágil, chamada democracia, não seja sa

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