EUA: dívida dos consumidores é 30 vezes maior que a da Grécia

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Publicado Segunda, 27 de Fevereiro de 2012 às 12:48, por: CdB

O Federal Reserve (FED, banco central dos EUA) informou nesta segunda-feira, 27, que a dívida dos consumidores estadunidenses caiu 1,1% no quarto trimestre de 2011 em comparação com o terceiro, para US$ 11,53 trilhões. O valor é cerca de 30 vezes maior que a dívida soberana da Grécia, estimada no final do ano passado em 300 bilhões de euros.

Por Umberto Martins

O montante inclui financiamento imobiliário, que recuou 1,6% entre um trimestre e outro e está 11% abaixo dos níveis mais elevados, atingidos antes do estouro da bolha, em 2007. A taxa de inadimplência total, por sua vez, recuou ligeiramente, para 9,8% do volume total da dívida frente aos 10% do terceiro trimestre.

Resta saber o que comentaristas neoliberais como o jornalista Carlos Alberto Sardenberg, que não poupou esforços nem palavras para demonstrar a responsabilidade dos gregos na crise da dívida soberana do país, tem a dizer a este respeito. A Grécia, que vive às portas da moratória, experimenta hoje a receita venenosa do FMI, que o Brasil provou no passado. Não seria o caso de propor uma dieta parecida aos EUA?

Privilégios do império

Os efeitos das duas dívidas (das famílias estadunidenses e do Estado grego) obviamente não são os mesmos, seja em função da dimensão da economia estadunidense ou da posição especial que o dólar ocupa na economia mundial. Mas já não restam dúvidas de que ambas são fonte de dores de cabeça.

O pensamento dominante, inclusive em certos círculos de esquerda, sustentava que a dívida dos norte-americanos não seria um problema maior, pelo menos para os EUA, devido ao fato de ser denominada em dólares e poder ser paga sem maior custo e esforço do que a impressão e emissão de papel-moeda. A crise financeira internacional, que eclodiu precisamente nos EUA, desmoralizou tal ideia, que no fundo ignora as relações econômico-sociais concretas, entre credor e devedor, subjacentes ao endividamento.

Com certeza o poder de emitir a principal moeda mundial é um privilégio do império. E este não tem revelado o menor escrúpulo em recorrer a tal expediente quando julga conveniente, como nos casos recentes de aplicação da política intitulada de “relaxamento quantitativo”, pela qual já foram derramados alguns trilhões de dólares no mundo, apesar dos protestos de outros países. O Brasil é uma das maiores vítimas dessas operações, que contribuem de modo significativo para o excesso de oferta de dólar no mercado de câmbio e a consequente valorização do real, semeando instabilidade monetária e guerra cambial.

Parasitismo

Ao contrário do que muitos imaginavam o privilégio de fabricar dólares não livrou os Estados Unidos da decadência econômica, muito menos conferiu à sua classe dominante a capacidade de ditar o ritmo e a direção da acumulação capitalista. Funcionou, em contraposição, como uma causa do declínio na medida em que estimulou o consumismo e o parasitismo econômico. A desindustrialização e o deslocamento da produção para a China, quase sempre descritos como fenômenos progressistas de uma sociedade supostamente pós-industrial, caminhou de mãos dadas com o agigantamento do comércio e a hipertrofia do sistema financeiro.

A cadeia de supermercados Walmart, maior empresa do mundo pelos critérios da revista Fortune, fez e faz fortuna adquirindo produtos baratos na China para alimentar o mercado dos Estados Unidos (ainda o maior do planeta) e de outros países onde atua. Já faz algum tempo que o crescimento da economia imperial é atribuído à expansão do consumo e da dívida e não da produção. Consumo além da produção (traduzido no déficit comercial da indústria) e dívidas colossais são uma expressão concentrada do parasitismo econômico, que (já dizia Lênin) costuma conduzir à decomposição dos impérios.

O número divulgado hoje pelo FED diz respeito à dívida dos consumidores ou das famílias. É gigantesca, equivale a quase cinco PIBs brasileiros e a 30 dívidas gregas, mas representa apenas uma pequena parte do problema. O endividamento total dos EUA (somando débitos dos governos, das famílias e das empresas) ultrapassa 50 trilhões de dólares (em torno de 20 PIBs do Brasil) e encerra desequilíbrios insustentáveis, que estão na base da instabilidade monetária e da crise mundial.

Modelo falido

O crédito farto e barato que alimentou a bolha imobiliária fomentou o parasitismo e a superprodução de mercadorias, especialmente no ramo da construção civil, mas não só nos EUA. O mercado norte-americano, julgado em certa época como “o consumidor de última instância”, tem um peso significativo na valorização do capital e na expansão da indústria chinesa.

A crise mundial, que veio no rastro do estouro da bolha, sugere que este padrão de reprodução da sociedade capitalista não só é insustentável como já pode ser considerado falido. O crescente deslocamento do poder econômico mundial do Ocidente para o Oriente é outro sinal neste mesmo sentido.

 

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