Erro de avaliação da esquerda elege aliado de Cunha e golpe se consolida

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Publicado Quinta, 14 de Julho de 2016 às 14:10, por: CdB

Fora a retirada dos parlamentares do PSOL; além das ausências de Jandira Feghali (PCdoB/RJ) e Wadih Damous (PT/RJ), a eleição do nome de ultradireita, que apoia o golpe, contou com apoio integral das legendas de esquerda

 
Por Redação - de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo
  Apenas algumas horas após a eleição do deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ) à Presidência da Câmara, líderes e militantes dos partidos de esquerda perceberam a dimensão do erro cometido ao apoiar um dos mais notórios defensores das medidas de sequestro dos direitos sociais, determinadas pela equipe econômica do golpe de Estado que se consolida. Iludidos com a possibilidade, inexistente, de Maia oferecer qualquer concessão ao campo progressista, alguns deputados chegaram a entoar o mantra “Fora, Temer!”, em seguida ao anúncio do resultado, como se Maia não fosse aliado de primeira hora tanto do dirigente golpista quanto do seu mentor, o deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ). A claque parlamentar foi rapidamente desautorizada: — Ajudei a eleger Cunha contra um candidato do PT. No plenário talvez ele tenha sido o melhor presidente que tivemos. Teve méritos. Não sou daqueles que só pisa — disse o novo presidente da Câmara, eleito com 285 votos, contra 170 de Rogério Rosso (PSD-DF), em segundo turno.
rodrigo-maia.jpgRodrigo Maia, eleito pela extrema direita, contou com os votos da esquerda
Fora a retirada dos parlamentares do PSOL, que lançou a candidatura da ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina, obteve 22 votos e abriu caminho para a vitória da extrema direita; além das ausências de Jandira Feghali (PCdoB/RJ) e Wadih Damous (PT/RJ), em protesto contra os erros, em série, a eleição Maia contou com o apoio integral das legendas de orientação socialista. No primeiro turno, o Maia obteve 120 votos, contra 106 de Rosso. O candidato que teve o apoio do PT no primeiro turno, Marcelo Castro (PMDB-PI), ficou em terceiro, com 70 votos. Durante a tarde, na véspera da votação, deputados do PT e do PCdoB estiveram reunidos, no gabinete da Liderança da Minoria da Câmara (integrada por todos partidos que fazem oposição a Michel Temer) mas não chegaram a um consenso quanto ao apoio a um candidato para a Presidência da Casa. Ali começou a derrota. Para o líder do PT na Câmara, Afonso Florence (BA), a ideia era superar “o candidato do Eduardo Cunha”, referindo-se ao deputado Rogério Rosso. — Defendo uma lógica de funcionamento total desta Casa, para limparmos de vez toda essa sujeira deixada pelo Eduardo Cunha. Não podemos e não vamos com qualquer nome que seja apoiado pelo Eduardo Cunha — acreditava o parlamentar baiano, fazendo vista grossa para a origem de Maia, a quem apoiariam no ato seguinte. Florence acreditava que a candidatura de Castro — ligado à direita mas contrário ao golpe de Estado que afastou a presidenta Dilma Rousseff — seria forte o suficiente para chegar ao segundo turno das eleições na Câmara e até vencer o oponente. Não poderia estar mais enganado. — Temos que ganhar a política. Não basta só lançar nomes para marcar posição, mas vencer a eleição — apregoava o líder petista, já sob os protestos de Jandira e Damous.

Cunha, a esquerda e o golpe consolidado

“Adeus, Pré-Sal. Adeus, direitos trabalhistas. Adeus, SUS. Adeus, Direitos Humanos. Aguardem as 80 horas semanais. Deem as boas vindas ao obscurantismo e às trevas na política brasileira. É isso que aguarda o país nessa eleição à Presidência da Câmara. À esquerda, fragmentada em egos imensos, resta chorar o fel derramado sobre os livros de História”, comentou o jornalista Gilberto de Souza, editor-chefe do Correio do Brasil, em uma rede social, instantes após o anúncio dos nomes que iriam ao segundo turno da eleição na Câmara dos Deputados. Aquele momento, minutos antes de Maia aditivar sua candidatura com os 165 votos extras, o jornalista Breno Altman, diretor editorial do site Opera Mundi, descreve como a gênese do erro estratégico, em artigo intitulado: Esquerda vive dia de infâmia. “Do sectarismo eleitoreiro do PSOL ao cretinismo parlamentar que contamina PT e PCdoB, o que assistimos ontem na Câmara dos Deputados foi a liquefação do campo antigolpista, abrindo caminho para a substituição do centro fisiológico pela direita orgânica no comando do parlamento”, escreveu Altman. “Era razoável o objetivo tático de construir uma candidatura que unificasse todos os que votaram contra o golpe parlamentar em 17 de abril, uns 140 deputados. Aliás, a soma dos votos de Marcelo Castro, Luiza Erundina e Orlando Silva teria colocado um nome dessa coalizão para disputar o comando da casa contra Rodrigo Maia (DEM-RJ), suplantando a colheita eleitoral de Rogério Rosso na primeira volta (108 contra 106 votos)”, constata. Ainda segundo a análise de Altman, “parte da bancada do PCdoB e do PT se atirou nos braços de Rodrigo Maia em troca de migalhas e promessas corporativas, virando de costas para as ruas e abandonando a centralidade da luta contra o golpe às vésperas do julgamento definitivo da presidente Dilma Rousseff pelo Senado”. Altman também cita, em seu texto, o trecho do discurso de Maia que demonstrou, claramente, o suporte dos parlamentares do campo progressista à candidatura ultraconservadora. “Os agradecimentos do candidato vitorioso a Orlando Silva (PCdoB/SP) não foram imerecidos e deveriam ser estendidos a muitos deputados do PT, apesar da posição em contrário de sua direção e vários integrantes da bancada”, lembrou. O PSOL, continua o jornalista e militante do PT, “inventou a tática da anticanditatura com os olhos postos nas eleições de São Paulo e no desgaste do PT, pouco se lixando para a luta contra o governo golpista, que lhe serve apenas de trampolim para ter um discurso sensível aos eleitores tradicionais do PT”. Para o articulista, “a confusão no campo progressista, alimentada por oportunismo de direita e de esquerda, terminou por limar qualquer capacidade de atração do centro democrático, formado pelos parlamentares que votaram contra o impeachment”. “A esquerda nem sequer teve a dignidade e o tirocínio de se retirar do plenário, de forma unitária, deixando claro que se recusava a votar em qualquer candidato que tivesse apoiado o impeachment. Apenas o PSOL e parte dos deputados petistas, além da combativa Jandira Feghalli (PCdoB-RJ), tiveram essa lucidez política”, acrescentou. Militante do PT no Estado do Rio de Janeiro, Val Carvalho é uma das vozes mais influentes na legenda. Em comentário publicado em sua página, em uma rede social, Carvalho segue na mesma linha: “A vitória de Rodrigo Maia, do DEM, representa a direita ideológica na Presidência da Câmara. Na Presidência da República, Temer, é a direita fisiológica, aquela que serve a qualquer senhor. O partido de Rodrigo Maia, o DEM, é filho do PFL e neto da Arena/PDS, o partido criado pela ditadura militar”, lembra. Ainda segundo Carvalho, “com a versão neoliberal radical assumida pelo DEM, Rodrigo Mais vai garantir a aprovação da agenda neoliberal na Câmara, que pode ser resumida pelo seguinte: extinção dos direitos trabalhistas e sociais, privatização, entrega do pré-sal e de outras riquezas nacionais e poder total do mercado sobre a economia. É o Estado mínimo para os pobres, e Estado máximo para os ricos”. Um dos principais defensores da volta de Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto, o senador Lindbergh Farias também registrou seu desapontamento:

A divisão continua

Enquanto os petistas apontam para o PSOL como o partido que patrocinou a divisão das esquerdas, argumentos similares são utilizados pela legenda que tentou, com Luiza Erundina, presidir a Câmara dos Deputados. O jornalista Gilberto Maringoni, um dos principais líderes psolistas de São Paulo, escreveu esta manhã, na ressaca da derrota para a ultradireita, que sente “uma certa pena ver petistas valorosos gastarem seu latim para justificar o injustificável. Como, por exemplo, não apoiar Erundina. Luíza Erundina não é perfeita. Não é santa. Acertou muito e errou um tanto em sua longa carreira”. “Mas nunca - ressalte-se o nunca! - mudou de lado”, garante. E segue: “Nunca defendeu ajustes fiscais, nunca se acovardou diante de torturadores ou de donos de monopólios da mídia. Teve comportamento exemplar - juntamente com seus colegas de bancada - na denúncia e luta contra o golpe em curso”. O também jornalista e guru do PSOL carioca Cid Benjamin complementa a análise do colega paulista, na mesma rede social: “Quem melhor definiu o PT nos dias de hoje foi seu deputado Andrés Sanchez (PT/SP), defendendo o apoio do PT ao filho do Cesar Maia: 'Quem abraçou Maluf pode fazer tudo'. Atenção: ele não disse isso em tom de crítica, mas como argumento a favor do apoio ao Maia Jr. Ou seja, às favas com os escrúpulos”. Para Fábio Lau, jornalista independente e editor do site de notícias Conexão Jornalismo, a mixórdia política estabelecida tem o dedo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “Lula havia liberado o PT para votar em Rodrigo Maia. A notícia repercutiu mal nas redes sociais e foi explorada pela oposição. Somente no dia seguinte, à noite, após fechamento dos jornais e do JN (jornal noturno da Rede Globo), o PT desmentiu. Foi quando a militância messiânica, que tem Lula como guru, decidiu atacar a imprensa e os críticos do ex-presidente. A irritação foi grande. Antes de bater em retirada de um grupo do WhatsApp fiz vê-lo, com educação não tão londrina assim, que o pior que se pode fazer a um político é manter com ele uma relação acrítica, aduladora e alheia aos fatos. Isso, em geral, torna-o refém da própria insensatez”. Diante da consumação dos fatos e da inevitável regressão na tentativa de se estabelecer um Estado de bem-estar social, no país, a editora do blog Templo Cultural Delfos, Elfi Kürten Fenske, lembrou a frase de Machado de Assis, em crônica publicada no ano de 1861: "Em nosso país a vulgaridade é um título, a mediocridade um brasão”.
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