Empresa suíça apóia produtores de cacau orgânico na Bahia

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Publicado Segunda, 07 de Novembro de 2011 às 19:15, por: CdB

Barry Callebaut, líder mundial na produção de chocolate, desenvolve projeto de incentivo à substituição do cacau convencional pelo orgânico na região de Ilhéus.

A medida, que beneficia também a multinacional, é uma das tentativas para recuperar a cacauicultura brasileira, duramente atingida pela doença da "vassoura-de-bruxa".

"No sul da Bahia cacau é o único nome que soa bem. As roças são belas quando carregadas de frutos amarelos. Todo princípio de ano os coronéis olham o horizonte e fazem as previsões sobre o tempo e sobre a safra".

Assim Jorge Amado descreveu a região em seu romance Terras do Sem Fim, publicado em 1943. Se o escritor, filho de um fazendeiro de cacau, ainda estivesse vivo e visitasse o sul da Bahia hoje, veria que muitas das roças descritas por ele não existem mais.

A cidade em que ele cresceu – Ilhéus – ainda preserva sinais da riqueza atingida no apogeu do ciclo do cacau, nas décadas de 20 e 30 do século passado, mas há muito perdeu o título de "maior porto de exportação de cacau do mundo".

"Hoje ela é a porta de entrada para o cacau oriundo da Indonésia e da África, que é processado no Brasil", conta à swissinfo Marc Nüscheler, presidente da Cooperativa dos Produtores Orgânicos do Sul da Bahia (Cabruca).

A bruxa anda solta

A culpa é de um fungo chamado "vassoura-de-bruxa", oriundo da Amazônia e que atacou as plantações da região em meados dos anos de 1990. Ele fez a safra de cacau da Bahia cair de mais de 400 mil toneladas anuais na década de 1980 para 100 mil toneladas em 2000.

Metade dos 400 mil trabalhadores ligados a essa atividade no estado perdeu o emprego. Restaram apenas 50% dos 600 mil hectares cultivados originalmente.

Em conseqüência da doença, a produção brasileira despencou de 7 milhões de sacas (de 60 kg) para algo em torno de 1,2 milhão de sacas por ano. Com isso, o país perdeu definitivamente para a Costa do Marfim a posição de líder mundial na produção da principal matéria-prima do chocolate.

Nüscheler, um suíço que planta cacau há mais de 25 anos, relata que somente na região de Ilhéus cerca de 100 mil cacauicultores com suas famílias abandonaram o campo e migraram para a periferia das grandes cidades.

Aposta na agricultura orgânica


Para tentar conter o êxodo rural e salvar o legítimo cacau brasileiro surgiram projetos como a Cabruca, que produz cerca de 200 toneladas de cacau orgânico por ano, usando um método de plantio conservacionista, como explica Nüscheler.

Desde 2001, os sócios da Cabruca e outros cacauicultores do sul da Bahia interessados em substituir a cultura convencional pela orgânica contam com um forte parceiro na Suíça: a Barry Callebaut.

A multinacional sediada em Zurique compra 15% da produção mundial de cacau e transforma essa matéria-prima em produtos alimentícios que lhe garantem um faturamento anual superior a 4 bilhões de francos suíços.

Mas ela não dá dinheiro de presente aos nordestinos. "Nosso projeto no Brasil consiste em instruir os agricultores sobre as vantagens e as técnicas da agricultura orgânica. A Barry Callebaut primeiro verifica quais agricultores estão interessados em produzir organicamente, os informa sobre as exigências dessa forma de cultivo e apóia a formação deles através de técnicos de campo", explica a porta-voz da empresa, Josiane Kremer, à swissinfo.

Em 2004, os 43 cacauicultores participantes do projeto, que cultivam uma área de cerca de 1.500 hectares, foram certificados pelo Instituto Biodinâmico (IBD). No ano seguinte, mais 800 hectares receberam essa certificação.

Cacau plantado à sombra de árvores nativas. (Cabruca)

Trabalho pioneiro

A maioria dos produtores está ligada à Cabruca, cujo nome deriva de um sistema agroflorestal tradicional da região, pelo qual se maneja culturas à sombra das árvores nativas da Mata Atlântica. "Nossa cooperativa é pioneira na produção de cacau orgânico", diz Nüscheler.

A Barry Callebaut compra toda a produção dos participantes do projeto. "O cacau orgânico tem um preço superior ao do cacau convencional. Pagamos 500 dólares além do preço cotado na bolsa de matérias-primas de Nova York", afirma Kremer.

A multinacional suíça garante que o projeto é de longo prazo. A meta é atingir 7 mil hectares ou mais de cacau orgânico, com um volume de pelo menos 1500 toneladas por ano, até 2010. Isso corresponderia à área de mais de 100 fazendas de cacau.

Ao contrário do que ocorre na África Ocidental, onde o plantio do cacau é feito por pequenos agricultores, no Brasil predominam as grandes fazendas, que ainda cultivam outros produtos agrícolas ou atuam na pecuária.

Segundo Kremer, aproximadamente 1.500 agricultores e trabalhadores brasileiros usufruem do projeto de cacau orgânico da Barry Callebaut. Além disso, a empresa iniciou em setembro de 2006 um projeto de permacultura (que une práticas agrícolas tradicionais com idéias inovadoras) em três escolas situadas em grandes fazendas de cacau.

Aprendendo desde pequeno


"Esse projeto objetiva introduzir as crianças na agricultura orgânica. Elas aprendem como se planta, aduba, colhe e processa biologicamente verduras, frutas e ervas medicinais. Isso é importante, porque muitas dessas crianças eram subnutridas", explica Kremer.

Atualmente 68 crianças entre 5 e 11 anos freqüentam as três escolas e participam do projeto de permacultura. "Elas passam a se alimentar melhor e, segundo nos dizem as mães e professoras, prestam mais atenção nas aulas".

Nüscheler avalia positivamente o projeto da Barry Callebaut, parceira da Cabruca. Ele acha, porém, que a as multinacionais do cacau atuantes na região deveriam fazer um esforço ainda maior para aumentar a produção tanto convencional quanto orgânica.

Segundo ele, o cacau orgânico ocupa um nicho de mercado complicado. A produção depende de investimentos e muito fôlego – só a adaptação da cultura convencional para a orgânica demora três anos. "Por isso, nossa cooperativa tenta diversificar a produção, investe no beneficiamento na região e procura outros nichos dispostos a pagar mais pelo produto".

Auto-ajuda


Não só o fungo da "vassoura-de-bruxa", mas também as especulações dos fundos de investimento no mercado de matérias-primas e o aumento do custo da mão-de-obra complicaram a vida de muitos cacauicultores de Ilhéus nos últimos anos.

A ajuda da multinacional suíça aos produtores brasileiros não é filantrópica. A demanda mundial de cacau aumentou muito com expansão do mercado na Rússia, na China e no Leste Europeu.

Atualmente, cerca de 70% safra global de cacau são produzidos na África Ocidental, de onde também vem a maior parte da matéria-prima processada pela Barry Callebaut. Para evitar uma dependência excessiva dessa região, a empresa precisa do cacau brasileiro, "que é de alta qualidade", segundo Kremer.

Apesar da ajuda da Barry Callebaut, o sul da Bahia ainda não recuperou a paisagem das "belas roças de cacau" descritas por Jorge Amado. "A região está falida. É preciso ter muita energia para recomeçar. Faltam incentivos em nível regional para retomar a produção", afirma Nüscheler.

swissinfo, Geraldo Hoffmann

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