Dia da mulher. Que mulheres?

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Publicado Segunda, 12 de Março de 2012 às 07:59, por: CdB

Antes de celebrar o Dia da Mulher a 8 de março, há quecomemorá-lo. Os dois verbos têm diferentes significados, embora frequentementeempregados como sinônimos. Celebrar é promover cerimônia, destacar, tornarcélebre, donde celebridade. Comemorar é fazer memória, resgatar o passado,atualizar lembranças.

De que mulheres tratamos nesta efeméride? Da empregadadoméstica que a família preza como parente para camuflar a sonegação de seusdireitos trabalhistas, a falta de carteira assinada, de férias regulares esalário digno?

É também o dia das babás, a quem é negado o direito deestudar, aprimorar-se profissionalmente, e exigido cuidado e afeto aos bebês dafamília? Quem se lembra das mulheres chefes de família, largadas à deriva porseus maridos, obrigadas à dupla jornada de trabalho para tentar educar osfilhos?

As mulheres são a metade da humanidade. A outra metade,filhos de mulheres. E, no entanto, bilhões prosseguem submetidas ao machismoirreverente, proibidas de dirigir carros em alguns países árabes, obrigadas asuportar a poligamia em clãs africanos, forçadas à infibulação (castraçãofeminina) em culturas fundamentalistas, menosprezadas ao nascer na Chinapatriarcal.

Pobre Ocidente que, do alto de sua arrogância, mira taispráticas como se aqui as mulheres tivessem alcançado a emancipação. É verdade,multiplica-se o número de mulheres chefes de Estado ou de Governo, como,atualmente, Dilma Rousseff (Brasil); Cristina Kirchner (Argentina); LauraChinchilla (Costa Rica); Ângela Merkel (Alemanha); Tarja Halonen (Finlândia);Pratibha Patil (Índia); Dália Grybauskaité (Lituânia); Eveline Widmer-Schlumpf(Suíça); Ellen Johnson Sirleaf (Libéria); e Sheikh Hasina (Bangladesh).

Não olhemos, porém, apenas para o alto. Mirem-se nasmulheres de Atenas, sugere Chico Buarque. "Elas não têm gosto ou vontade. ¤ Nemdefeito, nem qualidade; ¤ têm medo apenas. ¤ Não têm sonhos, só têm presságios.¤ O seu homem, mares, naufrágios... ¤ Lindas sirenas, morenas.”

Há que mirar em volta: mulheres como isca de consumo,adornando carros e bebidas alcoólicas. Mulheres no açougue virtual da chanchadainternáutica e nas capas de revistas que cobrem as bancas de jornais, a exibir,como vacas em exposição pecuária, seus atributos físicos anabolizadoscirurgicamente.

Milhões de mulheres tentando curar suas frustrações, via medicamentose terapias, por não corresponderem aos padrões vigentes de beleza. Mulheresrecauchutadas, anoréxicas, siliconizadas, em luta perene contra as rugas e asgorduras que o tempo, implacável, imprime a seus corpos. São as gatasborralheiras sempre a fugir da hora em que a velhice bate à porta, tornando-asmenos atrativas aos olhos masculinos.

Sim, é preciso fazer memória de mulheres que não foram ricasde imbecilidade nem se expuseram na vitrine eletrônica do voyeurismo televisivoem rede nacional. Refiro-me a Judite, que derrotou o general Holofernes; Maria,que exaltou os pobres, despediu os ricos de mãos vazias e gerou Jesus; Hipácia,filósofa e matemática de Alexandria; Joana d’Arc, queimada viva por desafiarmonarcas e cardeais; Teresa de Ávila, que arrancou Deus dos céus e centrou-o nocoração humano; Joana Angélica, monja baiana que se opôs ao colonialismoportuguês; Olga Benário, combatente contra o nazifascismo; Zilda Arns, queensinou dezenas de países a reduzirem a mortalidade infantil; e tantas outrasmulheres anônimas que, literalmente, carregam o mundo no ventre e nas costas.

À tradição cristã se deve muito a demonização da mulher. Acomeçar pela interpretação equivocada de que foi Eva a responsável porintroduzir o pecado no mundo. Assim como o papa se penitenciou por ter a IgrejaCatólica condenado Galileu e Darwin, é hora de se aproveitar uma data como 8 demarço para reabilitar a mulher na Igreja, permitindo-lhe acesso ao sacerdócio,ao episcopado e ao papado.

Jesus primeiro se revelou como messias a uma mulher – asamaritana do poço de Jacó. Ela pode ser considerada a primeira apóstola. E foia uma mulher – Madalena - que primeiro Jesus apareceu ao ressuscitar.

E é bom sempre recordar a afirmação do papa Sorriso, JoãoPaulo I: "Deus é mais mãe do que pai”.

Frei Betto é escritor, autor de "A arte de semear estrelas”(Rocco), entre outros livros. http://www.freibetto.org/- twitter:@freibetto.
Copyright 2012 – FREI BETTO – Não é permitida a reprodução deste artigo emqualquer meio de comunicação, eletrônicoou impresso, sem autorização do autor. Se desejar, faça uma assinatura de todosos artigos do escritor. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)].

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