De muda

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Publicado Sexta, 26 de Agosto de 2011 às 07:54, por: CdB

Estoude muda na casa. A saída do Gabinete Pessoal do Presidente da República-governo Lula- para a Secretaria Geral da Presidência da República -governoDilma-, com o ministro Gilberto Carvalho, levou a reorganizações na estruturado trabalho e na localização física. A mudança foi para melhor. Salas maisamplas, mais espaço, no mesmo corredor onde funciona a Secretaria Nacional deArticulação Social.

Comuniqueiao Tiago que ia deixá-lo, ele que serve água, a água tão necessária nestestempos de secura na capital federal, o cafezinho e o chá, que eu prefiro. Diasatrás ele tinha solicitado um apoio para ver a possibilidade de sua esposatambém trabalhar na copa, já que o dinheiro anda curto e necessário. O Tiago medisse: "Nem todos tratam a gente como o senhor. Têm muitos aqui que nem vêem agente. É como se a gente fosse invisível. Não conversam, não dizem bom dia ouboa tarde. A gente não existe, não pensa, não fala. A gente serve o cafezinho eponto final. Em outros governos era até pior.”

Poressas bandas, por mais que se insista, o tratamento é sempre o velho senhor, oudoutor, que tanto abomino. Digo para quem trabalha comigo, secretária,contínuos, os motoristas que me levam pra cá e pra lá: "Esquece isso de senhor,de doutor, não tem nada disso. A gente é igual, é trabalhador. Temos apenastarefas e funções diferentes, nada mais que isso.” (Sem esquecer que ossalários são bastante diferentes.)

Chegueina nova casa, novo ambiente, encontro a companheira que faz a limpeza. Perguntoo nome. Nonata. "Ah, teve uma pessoa que trabalhou comigo tempos atrás, naequipe do TALHER, que se chamava Nonata.” Ela: "Mas eu não gosto desse nome”. –"Por que?” — "É que quando nasci mamãe queria dar-me outro nome, mas meu paiobrigou o nome de Nonata. Estou com um processo na justiça para mudar de nome”.– "Qual o nome que queres?” – "Renata.” – "Sabes o que significa Renata?” –"Não. Se bem me lembro dos tempos de latim no Seminário, Renata significarenascida, nascida de novo. Assim, se trocares de nome, é como se nascesses denovo, fosses uma nova mulher”.

Passeia chamá-la de Renata. Quando me encontrou no corredor, antes de eu entrar nasala, disse: "Botei um presente pro senhor (sempre o ‘senhor’) na sua sala”.Ela deixou em cima da mesa, num copo, um buquê de flores: margaridas, cravos,lírios, damas da noite.

Aí,encontrei o Gildo, que serve o café, a água e o chá no novo corredor. Soube tersido ele o construtor de um barco com os distintivos do Grêmio, feito de palitosde fósforo, todo artesanal, que o Elias, que trabalha comigo, me deu comopresente de aniversário. Como a obra de arte estava um pouco esgualepada, comodiria Olívio Dutra, ofereceu-se espontaneamente para consertá-lo e melhorá-lo.Dias depois de me entregar a obra toda bonita, repaginada, me disse: "Olha,mostrei as fotos que tiramos com o barco restaurado, e já tenho oito pedidos. Osenhor (sempre o ‘senhor’) me ajudou”.

Etem o Marquinhos, sempre alegre e sorridente, que diz: "Ah, chefe!”- "Que chefe?”– "Não, diz ele, em primeiro lugar sempre o chefe!”.

Contoestes fatos por dois motivos. Um, para explicar um pouco a rotina das coisas doPalácio do Planalto e do poder. E de como hábitos, costumes, reverênciasacabaram incorporados, entranhados na vida das pessoas, sendo quase impossíveleliminá-los, mesmo você sempre sentando na frente no carro, ao lado domotorista, e conversando de igual para igual, mesmo tomando um café da manhãcoletivo todas as sextas com quem trabalha na Secretaria Nacional de ArticulaçãoSocial, mesmo fazendo-se reuniões para discutir o trabalho ou festas paradescontrair, e assim por diante.

Outro,porque cada vez que acontece um fato ou situação das relatadas acima (Oministro Gilberto Carvalho sempre diz nas reuniões e outros espaços: "Esqueçamas formalidades, essas coisas de ministro pra cá, ministro pra lá, a não serquando for necessário por questões de cerimonial”), me lembro de Santa Emília,da comunidade onde nasci, Venâncio Aires, interior do interior do Rio Grande dosul, todos pequenos agricultores, que constroem e sustentam sua comunidade, suaSociedade, seu time de futebol, sem essa de autoridades, de alguém maisimportante, de isso e aquilo. E me lembro dos tempos em que morei na Lomba doPinheiro, periferia de Porto Alegre, onde pedreiros, serventes de pedreiros,donas de casa, enfermeiras, domésticas construíram Associações de Bairro,Oposições sindicais, pastorais, o Partido dos Trabalhadores, e fizeram, econtinuam fazendo, mobilizações para melhorar a vida da sua vila e bairro, semnada de senhores e doutores.

Estaspessoas constroem o Brasil ao longo do tempo, reconstruíram a democracia eestão levando este país a ser Nação soberana. O povo não é mais bucha de canhãocomo foi por séculos. Mesmo em outras épocas, resistia nos quilombos, nasorganizações populares, às vezes sofrendo calado e esperando a oportunidade desair da situação de escravidão e exploração. Não há senhores ou doutores. Hápessoas que lutam para viver, há pessoas que querem o bem dos outros, hátrabalhadores que buscam justiça e igualdade.

Opoder inebria facilmente. Os exemplos estão aí todos os dias, mesmo entre quemestá ou estava ao lado das causas dos trabalhadores e dos pobres. Palavras comoas do Tiago, gestos como os da Renata, do Gildo e do Marquinhos levam arefletir e a manter as raízes fincadas no chão onde deverão estar fincadas atéo fim da vida.

Emvinte e seis de agosto de dois mil onze

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