Congresso do Labour britânico aprova reestatização dos trens

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Publicado Quinta, 01 de Outubro de 2015 às 06:14, por: CdB
Por Flávio Aguiar - de Berlim: O Partido Trabalhista britânico está realizando seu Congresso na cidade de Brighton. É a primeira oportunidade de grande monta para Jeremy Corbyn, o novo líder eleito, que pode enterrar o “New Labour” consagrado por Tony Blair e sua inclinação para a direita, mostrar a que veio. Em seu primeiro discurso, Corbyn procurou mostrar um novo estilo de contato com seus partidários e com o público em geral, mais direto, mais comunicativo, menos “de cima para baixo”.
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Jeremy Corbyn
Mas não é só isto. A eleição de Corbyn colocou na pauta das revisões questões em todos os campos de atuação do partido, como na defesa nacional, nas intervenções armadas britânicas pelo mundo afora e também no sensível campo das privatizações. Uma primeira vitória para Corbyn, em tema que já vinha impulsionado pelo menos desde a liderança de Ed Milliband, se deu pela aprovação formal pelo Congresso da proposta de reestatização, em grande parte, do sistema ferroviário britânico, privatizado desde 1994, ainda que com retornos parciais ao controle do Estado. O processo de privatização começou ainda durante o governo de Margareth Thatcher, quando várias empresas colaterais do setor foram vendidas a corporações privadas. O núcleo central - a British Railway - foi privatizado entre 1994 e 1997. O resultado foi uma completa fragmentação do sistema, com uma divisão nebulosa de responsabilidades. A British Railway foi literalmente fatiada. Em si, ela foi cedida a um consórcio, Railtrack, que quebrou em 2001, sendo substituído em parte por uma nova empresa estatal, a Network Rail, que também assumiu setor de manutenção da rede de trilhos. Esta fora fatiada entre 13 empresas; os trens de passageiros, entre três e os de carga entre duas. Os argumentos a favor da privatização eram: 1. diminuição de custos para o setor público e para os contribuintes; 2. redução no custo das passagens; 3. melhores serviços; 3. mais investimentos. Nada disto ficou muito claro, entretanto. Em alguns casos a fragmentação do setor foi apontado como uma das possíveis causas de acidentes, como o de Hatfield, em 17 de outubro de 2000. O número de vítimas fatais não foi grande, mas o inquérito mostrou que houvera falta de coordenação entre os setores operacionais entre os fatores que levaram ao acidente. Hoje, há indicadores muito contraditórios sobre a questão. Pesquisas de uma organização para-governamental (Transport Focus) apontam um alto grau de satisfação com o serviço, atingindo, em 2015, 80% de aprovação geral, 75% em pontualidade, mas 45% em relação ao custo das passagens. Por outro lado, pesquisa de 2014, feita pela empresa internacional YouGov, mostrava que 60% do público era favorável a reestatização do setor, com apenas 20% contra. Mesmo os Conservadores estavam divididos na matéria: 42% para cada lado. Pesquisa mais recente, deste ano, aponta 52% como favoráveis à reestatização. Uma olhada nos motivos apontados em defesa de seu ponto de vista por cada um dos lados pode dar uma ideia da polarização ideológica que há. Para os favoráveis à reestatização, os motivos seriam: 1. o serviço ferroviário deve prestar contas aos cidadãos, não apenas aos acionistas; 2. o preço das passagens cairia; 3. a relação custo-beneficio melhoraria; 4. o padrão de vida dos trabalhadores do setor se elevaria; 5. a qualidade dos serviços seria melhor; 6. idem, a pontualidade; 7. os trens seriam mais limpos e mais confortáveis. Os motivos apontados pelos contrários são na prática diametralmente opostos: 1. haveria mais greves no setor; 2. os passageiros devem pagar pelo transporte, não os contribuintes; 3. a relação custo-benefício seria pior; 4. os serviços teriam pior qualidade; 5. a pontualidade cairia; 6. piorariam a limpeza e o conforto. Olhando-se para alguns dos últimos acontecimentos na Europa: 1. a vitoria da Syriza nas últimas eleições gregas, apesar da chamada “capitulação” diante dos credores internacionais, Bruxelas, Frankfurt, Berlim e o FMI à frente; 2. a fragorosa derrota do Partido Popular de Mariano Rajoy na recente eleição catalã, com a maioria dos votos indo para os partidos separatistas e o crescimento do direitista Ciudadanos, confirmando o derretimento do sistema bipartidário (PSOE x PP) em favor de um sistema tetra-partidário (PP, PSOE, Ciudadanos e Podemos); 3. o crescimento do Podemos em outras eleições regionais recentes na mesma Espanha, participando de frentes que elegeram, inclusive, as prefeitas em Madri e Barcelona; 4. o tema em tela, a eleição de Corbyn e a inclinação do Labour britânico para a esquerda. Pode-se ver que a hegemonia neoliberal na União Europeia e na Zona do Euro vem sendo crescentemente contestada. Juntem-se a isto: 1. as atitudes do Papa Francisco I em relação a causas sociais; 2. as recentes atitudes do governo dos Estados Unidos em relação a Cuba e ao Irã; 3. o novo posicionamento mais incisivo da Rússia em relação à Síria, ao ISIS e ao Oriente Médio; 4. o contínuo fracasso das oposições de direita aos governos de esquerda ou centro-esquerda na América Latina em apresentar políticas alternativas consistentes, apesar das tentativas de golpes as mais variadas, inclusive no plano judicial e da barulheira da mídia tradicional junto com irrupções de atitudes e palavras de ordem violentas nas manifestações; e se terá uma medida das crescentes dificuldades dos conservadores ortodoxos na cena internacional.  
Flávio Aguiar, é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
 
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