Comerciário na loja ou na rua a luta continua

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Publicado Terça, 05 de Julho de 2016 às 06:19, por: CdB

O sindicato dos comerciários tem história e este mês completa cento e oito anos de existência. Mas, agora, algo inédito ocorreu na categoria: a decretação de estado de greve, instrumento máximo da luta de um sindicato

Por Flávio Corrêa de Mello - do Rio de Janeiro:

Os comerciários são considerados o maior segmento de uma categoria de trabalho do município do Rio. Cerca de 400 mil trabalhadores desenvolvem atividades remuneradas no ramo. O emprego no comércio é considerado por boa parte dos membros da categoria como transitório, penoso e sofrido. Os salários geralmente são baixos e as condições de trabalho se caracterizam pela exploração, desvios de função, pressão psicológica, assédio moral e por não se ter os seus direitos básicos garantidos.

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Os comerciários são considerados o maior segmento de uma categoria de trabalho do município do Rio

Muitos desses fatores decorrem justamente da categoria ter ficado sem uma representação sindical que a dignificasse por anos. Muito embora, já houve um momento de conquistas dos trabalhadores, entre elas a famosa semana inglesa, que permitia o descanso nos dias de domingo.

O peleguismo sindical se apossou do sindicato em 1966, em plena ditadura, quando Luizant Mata-Roma assumiu o sindicato através de uma intervenção imposta pelo governo militar. Desde então, o sindicato perdeu sua força de luta. Sua base sindical foi desmantelada e uma perspectiva assistencial impôs-se paulatinamente. Comprar votos, fraudar atas e desviar recursos para se manter no poder por quase cinquenta anos foram as práticas da família Mata-Roma. Estebelecidos no sindicato, a condução em geral priorizava o rodízio de seu núcleo familiar e aliados nas gestões. Cerceavam a oposição com ameaças verbais e mesmo físicas. O patrimônio do sindicato lhes rendeu a possibilidade de deter o poder e abrir diversos outros empreendimentos empresariais de tal monta que visavam expandir a riqueza da família. Estacionamentos, restaurantes, bancas de jornais e empresas de taxi aéreo são algumas das empresas ligadas aos diretores das gestões que detiveram a direção neste período até o ano passado.

A partir de 2006, motivado por uma série de denúncias, o MP começou a investigar o sindicato. Em Outubro de 2014, uma intervenção judicial foi designada pelo juiz Marcelo Moura e, então, Otto Mata-Roma, presidente da época (filho do falecido Luizant Mata-Roma), foi afastado e teve seus bens bloqueados pela justiça. Em junho de 2015, organizado pela intervenção, ocorreu o pleito eleitoral que elegeu a atual gestão do sindicato: A hora da mundança.

Em sua primeira campanha salarial, a gestão se deparou com sindicatos patronais bastante viciados em antigas relações com o sindicato. Eles não estavam acostumados com uma gestão feita de comerciários que sabem da lida diária das lojas e dos supermercados. Os dirigentes sindicais são pessoas de pés calejados de ficar em pé horas a fio. A atual gestão conhece na prática o que representa o banco de horas, a ajuda mínima para o trabalho nos feriados, os casos de assédio moral, a pressão das metas e, sobretudo, sabe qual é a dificuldade de colocar o feijão no fogão no final do mês por conta de um salário completamente incompatível com o custo de vida elevado da cidade do Rio de Janeiro. A direção conhece isso porque é tão povo quanto sua base sindical.

A campanha salarial do sindicato se iniciou praticamente no mês de Maio. Após um período de pesquisas junto à categoria, a direção levou sua pauta de reinvindicações ao patronato. Nela existem cláusulas salariais, laborais e sociais. A proposta inicial submeteu um aumento de 15% para a categoria. Previa uma reposição da inflação medida pelo INPC (Instituto Nacional de Preços ao Consumidor), com o índice em torno de 9% e um ganho real de mais 6% para a categoria. Se pensarmos bem, algo muito pouco diante do piso atual do comerciário (R$ 965,00), ainda assim um ganho. Nas rodadas iniciais, a patronal se recusou a acordar a proposta. De semana em semana, de pressão em pressão, de loja em loja, o sindicato se movimentou e dialogou com o trabalhador.

 Nesta semana a campanha endureceu de vez. O sindicato botou o bloco na rua. Os diretores entraram nas lojas e puderam perceber o quanto são queridos por seus colegas. As empresas do comércio sentiram que o sindicato é sério, que a parada agora é a luta na loja e na rua. Colocaram a pressão em cima do Patrão!

Agora o problema está nas mãos dos patrões. O sindicato quer o acordo coletivo! Mas tem de haver um ganho real de salário. Durante anos os empresários do comércio obtiveram lucros altíssimos e têm condições de assugurar ao trabalhador do comércio um salário mais digno. Se a queda de braço continuar, muito provavelmente o comércio vai parar mesmo.

Flávio Corrêa de Mello, é assessor cultural do Sindicato dos Comerciários.

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