Brasília cobra da nação o preço das desigualdades sociais

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Publicado Sexta, 02 de Outubro de 2015 às 07:48, por: CdB
Por Maria Fernanda Arruda – do Rio de Janeiro: O “Plano Piloto” de Brasília foi projetado por Lúcio Costa com os olhos voltados para o futuro, um mundo novo e melhor, onde não existiriam mais diferenças sociais causadas pela riqueza. O projeto modernista propunha a superação de valores públicos e privados, com a reestruturação da rua e da vida residencial da cidade, pela redução dos espaços sociais dos apartamentos privados em nome de um novo tipo de coletividade residencial onde o papel do indivíduo é minimizado. Eliminando-se esquinas, Brasília construirá trevos rotatórios; em substituição às ruas, vias expressas e becos residenciais; no lugar de pedestres, automóveis. E no lugar de espaços públicos, a estrutura de um novo urbanismo.
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Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras Sabe-se como e quanto Brasília, já agora envelhecida de meio século, oferece “qualidade de vida excepcional” aos seus habitantes
Para Lúcio Costa, os blocos de apartamentos de uma superquadra, todos iguais, com a mesma fachada, a mesma altura, as mesmas facilidades, asseguravam uma igualdade que permitiria a proibição de desenvolvimento de uma periferia urbana destina aos pobres. Para o projetista escapou o quanto seria fácil às elites rejeitar a socialização, motivados com os seus clubes privados e o luxo e ostentação dos palácios residenciais. O projeto de um socialista Sabe-se como e quanto Brasília, já agora envelhecida de meio século, oferece “qualidade de vida excepcional” aos seus habitantes. E, como o primeiro nível dos que fazem o “mundo político” brasileiro são os maiores beneficiários, por favor, sejamos práticos e honestos, admitindo que eles jamais se doarão em qualquer ato que possa pôr em risco tamanha e tão valiosa excepcionalidade. As elites, elas são as beneficiadas pela “qualidade de vida excepcional”. Portanto, não reclamemos dos nossos políticos: eles menosprezam o “resto” do Brasil, temem, não desejam quaisquer formas de convívio, a força que une e confraterniza situações e oposições. Neles jamais encontraremos soluções para o Brasil: precisam ser substituídos; Brasília precisa ser substituída!! Nunca será demais a expressão: “a excepcional qualidade de vida”. Está baseada na diferença, até mesmo quando posta no mundo da casa grande & senzala, no mundo do mulato dengoso, baseada em privilégios exclusivos que custam à Nação o preço das desigualdades sociais agudas e afrontosas. Quase metade do Plano Piloto permanece semi vazio, quando comparado a uma periferia cada vez maior e mais pobre. Ele foi planejado por Lúcio Costa para população máxima de 500 mil habitantes. Em 2015, Brasília é habitada por 2.914.830 moradores, podendo-se imaginar que aproximadamente 450 mil residindo no Plano Piloto. É a cidade brasileira de pior índice de distribuição de renda e um dos mais altos índices de violência. Para que fique muito claro: a excepcional qualidade de vida é privilégio de uma pequena elite. Hoje, Brasília, considerada patrimônio da Humanidade, é monumento do que? Vai se tornando o monumento erigido em honra e glória e para usufruto de uma elite odiável. É o retrato de uma estratificação social e espacial exagerada , construída pelas décadas de ditadura, a que se seguiram aquelas outras, não menos torpes, marcadas pela “democracia consentida”. Além da obra executada diretamente pelo Estado (com a multiplicação de Palácios ou construções faraônicas, como a sede do Banco Central), as leis de preservação de Brasília foram constantemente burladas pela negligência e pela corrupção. Assistiu-se a um crescimento que agride o plano de Lúcio Costa, um desenvolvimento caótico e corrompido. O tombamento de Brasília não foi solução adequada para impedir a corrupção de seu corpo. Um projeto modernista Data de 1933 o Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, que formalizou os princípios do Movimento Moderno liderado por Le Corbusier, que vieram a ser experimentados em diversos momentos, como propostas de novas cidades para novos homens, onde a rua deixava de ser o centro orientador da vida urbana. E Lúcio Costa, por influência de Le Corbusier, foi um seguidor do modernismo funcionalista, aplicando-o tardiamente em Brasília. Foi concebida segundo o projeto de uma aeronave ou de um pássaro, desafiante e intrigante ao ser visto em sobrevoo... (um tucano, talvez?) Quando percorrida por algum andarilho, sentem-se o gigantismo das edificações e a imensidão de espaços abertos, inviáveis àquele andarilho e qualquer outra pessoa. Cheia de espaços inexplicáveis, amorfos, sem vida e desprovidos do traço que pudesse lembrar a natureza. Imensos gramados substituíram a riqueza e diversidade do cerrado, que foi eliminado.
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A nova capital do Brasil tornou-se exemplo maior e patriótico de uma arquitetura & urbanismo modernizantes,moldando outras cidades e bairros, caminhando para a homogeneização e monumentalização. A modernizada cidade é desumana. Não há o botequim da esquina nem a padaria. Ela foi pretendida como o desafio que o homem fez ao futuro. Muito rapidamente se tornou um museu, extremamente útil enquanto demonstração do que as cidades do futuro não serão. JK convidou o politico e amigo mineiro Israel Pinheiro para dirigir a NOVACAP, ficando Niemeyer com a responsabilidade do projeto. A proposta de Lucio Costa, a última a ser apresentada, foi a escolhida. A Novacap construiu os prédios públicos, basicamente o que compõe a Esplanada dos Ministérios, com 17 edifícios, o Congresso Nacional, o Palácio da Justiça, o Itamaraty, e mais os prédios dos Ministérios. A cidade, sem rei e sem rainha, compôs um colar de palácios: da Alvorada, Buriti, do Congresso, Itamaraty, Jaburu, da Justiça, do Planalto e do STF. Os institutos de aposentadorias e pensões foram incumbidos dos prédios residenciais. Com a previsão de uma população com 500 mil habitantes, a cidade foi fatiada em superquadras, com população prevista de 3 a 4 mil pessoas, cada uma delas equipada com escola primária, playground, creche a áreas verdes.Evidente desde o princípio, que os homens que construíram a cidade e os funcionários públicos dos baixos escalões estavam excluídos. As superquadras estavam destinadas aos políticos e aos altos escalões da burocracia do Estado. A Superquadra Norte 312 seria destinada aos bancários de nível mais modesto, mas nem isso... Logo passou a servir como residência de professores da UFB. A vocação socialista do projeto de Lúcio Costa foi abortada, na medida em que saia de sua prancheta para a dos engenheiros que construiriam a realidade. Brasília nasceu já como a mais injusta e desigual das cidades. Brasília não é o Brasil. O que moradores desse Paraíso têm a ver com os brasileiros? Os brasileiros devem aceitar ser governados por eles? Perguntas que valem, tanto para FHC e comparsas do PSDB, como para Gilmar Mendes, para Michel Temer, para os ministros de Dilma Rousseff e até mesmo para ela. Dos que foram para Brasília, exceção até agora: o Lula. Até quando? Quanto à proposta de FHC, a marcha para o Oeste, o que sobrou dela? O modelo equivocado da agroindústria exportadora de grãos. Triste vocação. Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil, sempre às sextas-feiras.
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