Basta de aumento de juros!

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Publicado Sexta, 28 de Fevereiro de 2014 às 10:38, por: CdB
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Por mais uma vez, as pressões exercidas pelos interesses dos representantes do financismo foram exitosas em sua campanha incansável pela elevação dos juros
Por mais uma vez, as pressões exercidas pelos interesses dos representantes do financismo foram exitosas em sua campanha incansável e infindável pela elevação da taxa de juros. A reunião do Comitê de Política Monetária (COPOM) decidiu, pela oitava oportunidade consecutiva, por um novo aumento da SELIC. Haja vontade de promover tanta maldade! Como o Banco Central (BC) optou por pautar suas deliberações em cima das chamadas “expectativas de mercado”, a política monetária tem permanecido - há muito tempo, diga-se de passagem! - absolutamente refém dos desejos da banca. A pesquisa Focus, encomendada de forma sistemática pela autoridade monetária, é realizada ouvindo apenas as opiniões dos dirigentes de empresas atuantes no mercado financeiro. Conversa entre eles, para eles mesmos. Botam a raposa para tomar conta do galinheiro e ainda perguntam a ela o que de melhor lhe conviria como cardápio para o jantar! Assim é que desde abril de 2013 a taxa oficial de juros tem subido a cada 45 dias, periodicidade sob a qual os senhores diretores do BC se reúnem sob o manto sagrado de membros do COPOM. A última fase da escalada altista teve início há quase um ano atrás, na 174ª reunião do colegiado, quando a SELIC subiu de 7,25% para 7,5% ao ano. A partir de então, a cada novo encontro, esse importante instrumento de política econômica foi sendo elevado, até atingir os atuais 10,75%. Um verdadeiro crime, com consequências muito mais nefastas para o Brasil do que qualquer manifestação dos black-blocs protestando contra os gastos com a Copa do Mundo. No entanto, não vejo nenhum desses neo-convertidos, na defesa abnegada de um arremedo da Lei de Segurança Nacional, acusando o COPOM de ter praticado algum ato terrorista. COPOM: oitavo aumento consecutivo A decisão de promover mais esse aumento na SELIC provoca um conjunto de efeitos perversos sobre a dinâmica da economia e termina por prejudicar o conjunto da sociedade. A primeira e mais imediata intervenção é sobre o Orçamento Geral da União (OGU). Sim,é isso mesmo! Aquele mesmo orçamento, sobre o qual você deve ter acabado de acompanhar uma polêmica pela imprensa. Depois de muito debater a portas fechadas, o governo resolveu anunciar publicamente um “contingenciamento” (nome belo e pomposo para o termo que popularmente conhecemos por “corte”) de R$ 44 bilhões no OGU de 2014. A justificativa sendo a necessidade de se atingir a meta sacrossanta de 1,9% do PIB a título de superávit primário ao longo do mesmo ano. Isso significa que as despesas do governo federal serão reduzidas nas áreas sociais (saúde, educação, previdência, entre outras) e até de investimento (corte de R$ 7 bi no PAC) nesse montante para assegurar que não faltem recursos para o pagamento de juros e demais compromissos financeiros do Estado. Ocorre que a alta da SELIC nesses “míseros” 0,25% provoca um aumento nas despesas de juros do governo federal da ordem de R$ 5,5 bi anuais. Basta multiplicar esse percentual pelo estoque da dívida da União, atualmente em um patamar um pouco superior a R$ 2,2 trilhões. Ou seja, o governo continua sacrificando a política social em nome da “seriedade e responsabilidade” na condução da política fiscal. Leia-se: transferência de recursos públicos diretamente para o caixa das instituições do sistema financeiro. Um segundo pacote de efeitos negativos relaciona-se às taxas de juros praticadas pelos bancos junto aos seus clientes, os tomadores de crédito e empréstimos. Isso porque nenhuma família ou empresa consegue recursos a esses 10,75% da SELIC ao ano. A não ser, é claro, as linhas especiais do BNDES oferecidas para os grandes conglomerados – ali as taxas são até mais baixas, subsidiadas generosamente pelo Tesouro Nacional. Assim, a decisão do COPOM se combina perfeitamente com a postura passiva do BC, em sua condição de órgão regulador e fiscalizador do sistema financeiro. Como a banca pratica taxas muito elevadas de “spread”, os encargos sobre os empréstimos também aumentam muito. O resultado é um claro e evidente desestímulo ao investimento e à atividade produtiva em geral. Elevação da SELIC: desnecessária e prejudicial Aliás, isso não deve ser novidade para ninguém minimamente acostumado ao discurso do economês. Aumentar a taxa de juros como instrumento de política monetária tem por intenção justamente isso: reduzir o ritmo de atividade, provocar um choque de natureza recessiva na economia. Essa lógica toda se sustenta no raciocínio que fundamenta existência do tripé da política econômica, herança mantida intacta desde a época do Plano Real, em 1994, ao longo dos sucessivos governos que ocuparam o Palácio do Planalto. E o mais interessante é que os próprios representantes do Executivo vêm a público reclamar dos baixos índices apresentados pelo crescimento do PIB. Ora, se concordam com a necessidade dessa política monetária de arrocho, qual a surpresa frente à retração que se segue ao aumento dos juros? Um terceiro núcleo de conseqüências nada interessantes refere-se às contas externas. O aumento da taxa oficial de juros mantém ou aumenta a atratividade para as aplicações financeiras do capital especulativo internacional em nossas terras. Esse fluxo de recursos externos em direção ao mercado mobiliário brasileiro é saudado pelo financismo como a garantia da “credibilidade e solidez da economia brasileira”. Triste ilusão! Como o discurso liberal não permite nenhum mecanismo de controle das contas de capital, o recurso especulativo entra e sai quando bem entender, sem exigência alguma de contrapartida nem de permanência mínima no espaço brasileiro. Assim, há uma influência direta sobre o mercado de câmbio. O excesso de dólares e divisas externas provoca uma pressão pela valorização da taxa de câmbio. Nosso real fica artificialmente valorizado, com prejuízo para nossas exportações de manufaturados e um estímulo irresponsável para as importações de produtos industrializados do resto do mundo, em especial da China e demais países asiáticos. É o caminho mais do que seguro para a continuidade de processo de desindustrialização de nossa economia. Trata-se de um reforço da tendência de reprimarização da sociedade brasileira, que tem se tornado cada vez mais especializada no agronegócio e na exportação de recursos naturais. Receio da inflação não é a verdadeira razão Apesar de todas essas evidências, é óbvio que o discurso oficial e os oráculos do financismo não podem assumir esse discurso em suas falas e em seus documentos. A questão é de outra natureza, Jaciara, completamente distinta! Até parece que você não entende nada de economia! Vou explicar pela última vez: a SELIC deve subir apenas para evitar a alta de preços e o descontrole inflacionário. Uma piada! Assim, como se tentou justificar, há pouco tempo atrás, aquela retomada da sucessão de altas na taxa em função dos preços do tomate. Ora, o próprio sistema de metas de inflação pressupõe o chamado “centro da meta” e um intervalo de 2% para cima e para baixo. Como a meta oficial é de um crescimento de preços de 4,5%, o modelo aceita o intervalo entre 2,5% e 6,5% anuais como uma inflação controlada. Os índices aferidos e divulgados regularmente pelo IBGE demonstram que o limite não foi ultrapassado. Em resumo, a inflação está sob controle. Por esse lado, não há motivos para aumento dos juros. E ainda que se mantenha sob a lógica desse tipo de ajuste de natureza liberal, os modelos neoclássicos oferecem alternativas de condução da política monetária. Isso significa que se pode atingir o mesmo resultado de redução do ritmo de atividade da economia sem recorrer ao aumento da SELIC. Basta promover alterações naquilo que os manuais de macroeconomia chamam de “depósito compulsório”. Antes que gritem aqui os adeptos da solução ortodoxa, esclareço que se trata de instrumento utilizado pelas autoridades monetárias pelo mundo afora, inclusive aqui nas terras de pindorama. É a parcela dos depósitos feitos nas instituições financeiras que são recolhidos compulsoriamente junto ao Banco Central. Esse procedimento preventivo se justificativa para evitar uma multiplicação exagerada dos recursos monetários na economia. Isso porque os bancos têm essa capacidade mágica de criar moeda. A partir de um depósito feito por um cliente, ele pode emprestar esses recursos a vários outros, gerando um risco da chamada “corrida bancária”. Na linguagem popular: se todos forem ao banco, simultaneamente, reclamar a sua parte, ele quebra. Sim, pois o sistema financeiro está permanentemente em super-exposição. Ora, um aumento no nível oficial requerido para o depósito compulsório provoca o mesmo efeito do que um aumento nos juros. Ocorre uma redução do crédito e uma desaceleração no ritmo da atividade econômica. E não há os impactos negativos sobre as finanças públicas, pois não ocorre aumento de rubrica orçamentária com gastos financeiros. Tampouco há efeito deletério sobre a taxa de câmbio. Talvez estas sejam as razões para o financismo tremer de medo a cada vez que o tema volta ao debate. Aliás, o BC tem evitado tratar do assunto há vários anos. Assim, basta de aumentos nos juros! Se quiserem, que elevem o depósito compulsório. Jaciara Itaim é Economista e militante por um mundo mais justo em termos sociais e econômicos.
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