Artista brasileiro homenageado pela Loteria Federal conta como vive em Berlim

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Publicado Terça, 27 de Abril de 2010 às 11:25, por: CdB

Alex Flemming é um dos artistas plásticos brasileiros de mais renome no exterior. Em 2010, a terra natal lhe confere uma prova de reconhecimento especial: a Loteria Federal traz uma foto sua estampada nos bilhetes do sorteio a ser realizado em meados de maio. Ocasião da homenagem é o Dia do Artista Plástico, comemorado no dia 8 do mesmo mês.

Após o sorteio, o artista, nascido na capital paulista em 1954, estará no Museu de Arte de São Paulo (Masp), no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) do Rio de Janeiro, e no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (MAMAM), no Recife, assinando os bilhetes. Dessa forma, irá transformar os pequenos papéis em "obras de arte instantâneas".

As obras de Flemming, que envolvem fotografia, pintura, escultura, gravura e poesia, têm sido expostas e vendidas em vários países, como Alemanha, Espanha, Portugal, Noruega, Dinamarca, Holanda, Chile, Argentina, Cuba, Austrália e Estados Unidos. Uma obra sua, composta por 44 fotografias ampliadas, adorna as paredes de vidro da estação de metrô Sumaré, em São Paulo. Além disso, entre 2002 e 2005, a Edusp, Metalivros e Moderna lançaram três livros dedicados a sua obra.

No tocante à nacionalidade, Flemming é categórico:

– Não me considero representante de ninguém. Sou apenas um artista plástico.

Antes que possa ser mal entendido, afirma ser patriota, e acrescenta que faz questão de ter um ateliê em Berlim e outro em São Paulo, mantendo, dessa forma, fortes vínculos com o Brasil.

Contudo, por ter vivido durante vários anos em outras cidades mundo afora, considera-se,ao mesmo tempo, cidadão paulistano, lisboeta, nova-iorquino e berlinense.

– Quando chego ao aeroporto desses lugares, já sei como pegar o metrô, onde tomar um bom café, almoçar e visitar os amigos –, explica.

Filho de um piloto e uma comissária de bordo, Flemming acostumou-se cedo a transitar pelo mundo. Nas décadas de 70 e 80, estudou cinema, serigrafia e gravura em metal, além de realizar filmes de curta metragem. Sua primeira exposição individual foi no Masp, em 1981, e o destaque internacional começou em 1983, quando realizou uma mostra na Galeria Metronom, em Barcelona.

O tempo passou, o sucesso como artista plástico aumentou, e as distâncias entre os continentes só encurtaram. Assim, de acordo com as anotações em sua agenda, Flemming cruzou o Atlântico 147 vezes, a última delas em março de 2010. Há 19 anos, fixou residência em Berlim, onde vive sozinho em um amplo apartamento a poucas quadras do ateliê recém-inaugurado no charmoso bairro de Prenzlauer Berg.

Depois de cerca de dez horas de sono, o artista costuma iniciar os dias fazendo ginástica em casa. Depois, banho frio e um café da manhã reforçado, com ovos fritos, duas xícaras de chá, iogurte com cereais e pão nórdico knäckebrot com presunto. Em seguida, vai ao ateliê, onde fica até a noite. A pausa para o almoço é por volta das 16h.

– Como sempre fora e, geralmente, sushi –, observa.

As principais vantagens oferecidas pela capital alemã são a segurança e a pluralidade de eventos culturais na cidade. A adaptação à sociedade individualista no país, contudo, não foi fácil.

– Quando vim morar aqui, em 1991, senti uma solidão muito grande. No meu caso, como artista, a solidão se dá de maneira dupla, porque moro e trabalho o dia todo sozinho.

Flemming se queixa também do "grande egocentrismo" no meio artístico alemão. Segundo ele, apenas a própria Alemanha e outras "superpotências" são reconhecidas no país.

– Talvez pelo complexo de terem perdido as guerras ou por nunca terem chegado a ser uma grande potência, os alemães ainda se espelham na Grã-Bretanha, França e Estados Unidos.

Para Flemming, a arte brasileira tem uma das grandes escolas do mundo.

– Infelizmente, ainda não é tão reconhecida internacionalmente, mas estamos caminhando para isso –, conta, enfatizando que os Estados Unidos e a França estão um passo adiante nesse processo.

Talvez ainda falte também o reconhecimento dentro de casa:

– No Brasil, a arte não é levada a sério –, desabafa.

Assim que se mudou para a Alemanha, o paulistano teve seu primeiro ateliê financiado pelo governo berlinense.

– Isto sim, é política cultural com 'p' maiúsculo –, defende.

Cores fortes, mensagens sexuais e crítica política são características das telas, esculturas e superfícies não-tradicionais assinadas por Flemming. Um exemplo de superfície não-tradicional é a cueca que faz parte da série de roupas usadas pelo artista, antes de transformá-las em peças de arte, entre 1993 e 2003.

O cunho político de sua obra é de longa data, como recorda:

– Meu primeiro trabalho que considero profissional, em 1978, foi uma série de gravuras em metal denunciando a tortura de presos políticos no Brasil.

Na exposição Body Builders, demonstra como fotografia, informática e os idiomas alemão e inglês ganharam importância nas últimas décadas. Além disso, muitas de suas fotos e pinturas refletem o culto ao corpo humano.

– O corpo é o princípio e o fim de qualquer atividade, só com ele conseguimos desfrutar o universo –, disse Flemming em 2001, antes de levar a exposição pela primeira vez ao Brasil.

Em Body Builders e outras séries, o brasileiro criou uma linha de produção envolvendo fotos feitas com uma câmera Leica, manipulação digital das cores, impressão em PVC e pintura com tinta acrílica de trechos de poesia ou da Bíblia, geralmente em inglês ou em alemão.

Por fim, cada obra recebe um número sequencial, o que, segundo Flemming, torna os objetos únicos.

– Essa intervenção pictórica em todas as fotos também impede que, depois que eu morrer, alguém amplie a imagem de um negativo e diga que aquilo é 'Alex Flemming'. Como acredito que arte é vida e vida é arte, a minha arte só é aquilo que eu fizer enquanto vivo.

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