AAA 26 de Agosto de 2011 - 14h59 Justiça: Severina mata o pai e é inocentada

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Publicado Sexta, 26 de Agosto de 2011 às 14:05, por: CdB

O polêmico julgamento, nesta quinta (25) envolveu ordens de prisão e até um desaforamento a pedido do Ministério Público. Apesar de confessar publicamente, durante a sessão, ser a autora intelectual do crime, Severina Maria da Silva foi isentada da acusação. A agricultora viveu 35 anos de sua vida enfrentando estupros, espancamentos, tentativas de fuga e suicídio e até um período de prisão:“Só quero voltar para minha casa, com meus filhos e poder trabalhar", desabafou ao saber da sentença.
Diário de Pernambuco

Os filhos abraçam a mãe quando ouvem sentença

Os cinco filhos correram para abraçar a mãe logo após ela ter sido inocentada unanimemente pelo júri popular de um crime encomendado. Aos 44 anos, estuprada pelo próprio pai durante 28 anos, de quem teve 12 filhos, a mulher resolveu mandar matar seu agressor.

Severina já havia tentado inúmeras vezes fugir de casa ou se suicidar. Só conseguiu reagir quando percebeu a aproximação do pai com a filha, de 11 anos.

A solidão da decisão

Natural de Caruaru (PE), a agricultora já havia buscado ajuda na Justiça algumas vezes, em vão. O dia do basta chegou quando seu agressor, Severino Pedro de Andrade, começou a espichar os olhos para as netas. Temendo que as meninas tivessem o mesmo destino de humilhação e dor, Severina não hesitou e virou a história dessa história, pagou 800 reais a dois assassinos de aluguel.

Por quase três décadas, a agricultora foi obrigada pelo genitor a viver maritalmente com ele. As agressões sexuais começaram aos nove anos, com conivência da mãe da garota. Aos 15, Severina teve o primeiro de 12 filhos, a maioria morta em decorrência de problemas genéticos, falta de acompanhamento médico e em decorrência das agressões físicas praticadas pelo pai-avô dos bebês. Apenas cinco das crianças, hoje com idades entre 12 e 19 anos, sobreviveram.

Os executores do crime, Edilson Francisco de Amorim e Denisar dos Santos foram condenados e cumprem pena em Caruaru.

Promotoria surpreende

Durante a acusação, o promotor do Ministério Público de Pernambuco, José Edvaldo da Silva, surpreendeu os presentes ao júri pedindo a absolvição da ré. Para ele, a acusada foi vítima de coação moral irresistível. E foi além: "O Estado não poderia exigir que a forma encontrada por ela para se defender fosse outra, ainda que envolvendo violência", defendeu, contrariando a posição inicialmente adotada pelo MPPE, que solicitou o desaforamento do júri de Caruaru para o Recife alegando suspeita quanto à imparcialidadedo corpo de jurados.
Milhares de crimes não julgados

“Eu não poderia, nem teria condições éticas, de pedir a condenação desta mulher quando não se poderia exigir dela outra conduta e quando ela deveria era ser indenizada pelo Estado”, ponderou o promotor, evidenciando o fato de que, entre sucessivos estupros e agressões físicas e psicológicas, Severina foi, de fato, vítima de mais de cinco mil crimes não julgados ou investigados.

O argumento, o mesmo utilizado pela defesa da acusada, foi reforçado pelo fato de Severina já ter procurado as delegacias de Caruaru e Brejo da Madre de Deus cinco vezes na tentativa de denunciar as agressões, todas sem sucesso. De acordo com um dos advogados de defesa, Gilvan Florêncio, a decisão será analisada pelos advogados para verificar a possibilidade de Severina iniciar um novo processo, dessa vez contra o Estado, para pleitear o pagamento de indenização pelos danos sofridos, mesmo após seguidas tentativas de conseguir proteção policial.

Indenização

Ao receber o resultado do júri popular, no entanto, Severina não pensou em dinheiro. Logo após ser informada da absolvição, a agricultora agradeceu a Deus pelo fim do pesadelo que a seguiu durante e após anos de abuso. Por conta da morte do pai, Severina ficou um ano e seis dias detida na antiga Colônia Penal Feminina de Garanhuns.

Os estupros, o tempo de prisão e a espera pelo julgamento consumiram 35 anos de sua vida. "Se Deus quiser, minha mãe vai querer voltar a falar comigo e eu vou esperar por ela. Acreditava que me considerariam inocente, mas você tem que estar preparada para tudo, então tinha medo, mas a vida vai ser diferente daqui para frente”, resumiu.

Medo

Além da própria Severina, apenas a tia dela, irmã do pai da acusada, foi ouvida como testemunha do caso. Otília Maria da Conceição, de 86 anos, revelou que a situação à qual a sobrinha foi submetida por quase três décadas era conhecida por familiares e vizinhos, mas que não havia possibilidade de denúncias formais contra Severino.

“Ele era muito bruto. Tínhamos medo dele bater ou matar a gente. Ele já batia bastante nela desde cedo”, lembrou.

O crime chamou a atenção da população caruaruense e envolveu faculdades de direito e organizações não governamentais que passaram a interceder por Severina. Por conta da comoção social, o caso foi desaforado a pedido do Ministério Público sob o argumento de que a imparcialidade do júri poderia ser comprometido. Assim, a ação foi julgada no Recife, em vez do procedimento normal, quando o caso é julgado na cidade em que o crime é cometido.

Christiane Marcondes com informações do Diário de Pernambuco

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