A ótica míope do fundamentalismo

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Publicado Quinta, 11 de Outubro de 2001 às 14:17, por: CdB

As ideologias foram supostamente derrubadas com a queda do Muro de Berlim. Agora, com a destruição das torres do WTC emergem as teologias. Nunca se venderam tantos exemplares da Bíblia e do Alcorão no Ocidente. Desde o fim da Idade Média, não se recorria tanto à linguagem religiosa para justificar, de um lado, o terrorismo de face oculta; de outro, o de rosto estatal. É como se a racionalidade moderna naufragasse, de repente, em sua própria incapacidade de encarnar-se em atos humanos. Pensamos o que não ousamos fazer, fazemos o que podemos justificar, queremos o que não convém à razão ética. Assim, a modernidade, sobretudo na esfera política, torna-se vítima de seu próprio paradoxo. Quem fala em democracia instaura ditadura; quem promete assegurar a paz faz a guerra; quem professa o nome de Deus não O reconhece na face do semelhante; quem aspira por um mundo melhor não ousa admitir a transformação da realidade atual. Súbito, a contradição atinge o seu limite. O elástico rompe-se, alterando o equilíbrio de forças. E o resultado é este cenário de insensatez generalizada. Enquanto os terroristas fazem da vingança seu gesto de protesto, sacrificando milhares de inocentes, o terrorismo de Estado, na falta de um alvo preciso no qual atirar, mobiliza exércitos para, na caça a um homem, disseminar a morte numa das regiões mais pobres do mundo. Pobreza, aliás, causada pelos agressores, cujo poder e riqueza jamais foram usados para levar prosperidade àquele povo. Uma das conquistas da modernidade foi separar religião e política. O Estado, agora, é laico, e as religiões não têm o direito de pretender confessionalizar a esfera pública, malgrado eventuais abusos de ambos os lados. Tal direito só é desrespeitado em países que permanecem aquém da modernidade. No Brasil, por exemplo, partidos confessionais, como o PDC, nunca plantaram raízes, e apesar da reação da Igreja católica, o divórcio é legal e o governo distribui preservativos para reduzir os casos de Aids. A modernidade corre o risco de retrocesso quando emergem os fundamentalismos. Ele consiste em interpretar literalmente os textos religiosos, seja a Torá, os Evangelhos ou o Alcorão. Recordo as aulas de catecismo que negavam as teorias de Darwin, tentando nos inculcar que somos mesmo descendentes diretos do senhor Adão, casado com a senhora Eva, sem que os catequistas se dessem conta de que Adão, em hebraico, significa terra, e Eva, vida. O fundamentalista faz uma leitura míope dos livros sagrados e da realidade, aplicando a primeira à segunda. Lê o texto fora do contexto, como se a Bíblia tivesse a pretensão de normatizar, não apenas a ética que rege todas as dimensões da vida, inclusive a pesquisa científica, mas também dados científicos específicos. O fundamentalista não sabe que a linguagem simbólica da Bíblia, rica em metáforas, recorre a lendas e mitos para traduzir o ensinamento religioso. Por isso, acredita que a Arca de Noé anda perdida em alguma região da Turquia, e que os cursos de idiomas existem graças ao castigo divino aos construtores da Torre de Babel. O mais grave é que o fundamentalismo julga-se tão portador da verdade quanto sua hermenêutica do texto lido por sua ótica equivocada. Não admite críticas, considerações ou contribuições de outras correntes religiosas ou científicas. Como se só ele entendesse a vontade de Deus. E todos que com ele não concordam são tratados como infiéis, heréticos ou excomungados. Enfim, ele se arvora em paradigma universal. Dialoga por gentileza, não por interesse em também aprender; ouve para munir-se de mais argumentos contra o interlocutor; finge-se de tolerante para reforçar sua convicção de que o outro merece, como infiel, ser queimado na fogueira da Inquisição, das torres de NY ou dos mísseis atirados no Iraque e, agora no Afeganistão, convencido de que só a sua verdade haverá de prevalecer. Se estudasse Apel e Habermas, o fundamentalista descobriria a reciprocidade dialógica universal. Se conhecesse m

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