A mudança na Síria contraria interesse dos EUA e Israel?

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Publicado Terça, 31 de Maio de 2011 às 09:10, por: CdB

Como os demais países Árabes, a Síria é uma colcha de retalhos de tribos e religiões.

 

 

31/05/2011

Raphael Tsavkko

blog do Tsavkko

 

Bashar al Assad, ditador da Síria (que para a mídia, mesmo a contra-gosto, era "presidente" há algumas semanas), começou a usar o discurso padrão de ditadores de que é vítima de uma conspiração internacional para tentar derrubá-lo. Em pouco tempo começará a, como Khadafi, acusar a Al Qaeda ou grupos islâmicos radicais. Por enquanto, se contenta em acusar Israel que, apesar de efetivamente não simpatizar com Assad, só teria a perder com sua deposição.

Como os demais países Árabes, a Síria é uma colcha de retalhos de tribos e religiões. Mas as semelhanças mais notáveis são com o Líbano, que vive num equilíbrio tenso entre suas mais de 14 comunidades religiosas diferentes.

Assad pertence à minoria Alauíta - que para muitos muçulmanos sequer poderia ser considerada islâmica -, que se aproxima mais dos Xiitas que da maioria sunita de quase 75% do país. Existem ainda minorias cristãs e Druzas e uma relevante população curda na fronteira nordeste, que é constantemente vítima de massacres.

Os Alauítas, que não passam de 10% da população, governam a Síria há 40 anos, o que enfurece a ampla maioria sunita, excluída dos principais postos e cargos, mas considerar esta revolta como religiosa seria um erro - assim como a revolta no Bahrein, por exemplo, em que os xiitas são a maioria e são oprimidos pela minoria sunita.

Os protestos na Síria vem do descontentamento de importante parcela da sociedade com sua virtual exclusão, quadro que se repete por toda a região. Mas qual a relação disto tudo com Israel?

É fato que, em geral, as revoluções que vem ocorrendo pelo Oriente Médio (com sucesso na Tunísia e no Egito) preocupam Israel, pois caem governos que lhes são favoráveis - ou ao menos neutros - e abre-se a possibilidade de governos menos dispostos a tolerar o massacre de Palestinos e os desmandos do país, que se considera dono ou tutor da região.

Mas, ao contrário do que pode parecer óbvio, a deposição de Assad, que é reconhecido inimigo de Israel, parte do Eixo do Mal dos EUA e suposto financiador do Hezbollah, seria péssima para Israel e para os EUA.

Mas porque?

Por uma questão de conhecer os limites de seu inimigo. Por saber até onde este vai e, no fim, saber que a Síria já deixou de lado muito de seu radicalismo de outrora - por exemplo, há muito que não se fala das colinas de Golã - e, hoje, está mais aberta ao diálogo, apesar de todas as suspeitas.

Os sunitas - prováveis sucessores dos alauítas de Assad - poderiam não só se mostrar opositores mais radicais de Israel, como também poderiam promover um banho de sangue contra o grupo que antes controlava o país, os alauítas - não que este último importe à Israel ou aos EUA.

O equilíbrio étnico na Síria é um fator de preocupação, pois o país, assim como o Líbano, possui sgnificativas minorias Druzas e Cristãs, além de  um grande contingente de Curdos e até mesmo populações originárias do Cáucaso Russo.

É preciso ter em mente o ditado Sírio-Libanês, de que "quando a Síria espirra, o Líbano fica resfriado", ou seja, uma crise na síria poderia ter reflexos significativos no vizinho Líbano.Um desequilíbrio na síria poderia se alastrar pela região e propiciar a tomada de poder de grupos mais radicais que os atuais e menos dispostos a aceitar ordens vindas do exterior.

Se as revoltas em curso nos países árabes já não agradam a Israel, o desequilíbrio de vizinhos imediatos envoltos em conflitos sectários desagrada ainda mais. A incerteza do fim de tais conflitos põe me risco a segurança de Israel e pode ser um fator de desestabilização até maior do que Egito ou Tunísia, ou mesmo a Líbia. Um conflito pelas colinas de Golã ou a pressão sobre a considerável fronteira entre Israel e Síria poderia ter reflexos maiores que a abertura da passagem de Raffah, que liga o Egito à Gaza.

Vizinho do Iraque, a Síria já conta com um largo número de refugiados, especialmente cristãos, da longa ocupação dos EUA no país vizinho. Não se sabe que papel esta comunidade em diáspora poderia ter em um conflito interno Sírio, para onde iriam ou que lado apoiariam. Na fronteira sul, a Jordânia já se encontra a beira de uma crise, com milhares de jovens exigindo mais direitos, além de líderes tribais demonstrando insatisfação com a forma pela qual a monarquia lida com a numerosa população palestina.

Os curdos na síria são um problema à parte, não se sabe qual seria a atitude desta população concentrada na fronteira com a Turquia frente à queda do governo Alauíta, que há décadas os massacra e sequer permite que boa parte de sua grande comunidade tenha acesso à direitos básicos enquanto mesmo a cidadania síria é negada à eles. Um governo sunita, mesmo que árabe, poderia impulsionar o nacionalismo curdo do lado turco da fronteira, como forma de desestabilizar o vizinho maior.

Para os EUA, uma mudança de regime significa trocar o certo pelo incerto. Trocar um governo que, ainda que inimigo, respeita certos limites e costuma tomar medidas dentro de um padrão já conhecido.

A desestabilização de um país como a Síria, com possível repercussão regional, seria nefasto para os EUA, que já vem há muito tentando impor alguma ordem na região e se opôs até o último minuto às mudanças de regime na Tunísia e no Egito.

Mas, obviamente, o discurso esconde os reais interesses. Obama vem há tempos discursando em defesa da liberdade e da democracia (dentro de suas condições, obviamente), mascarando os interesses reais na Síria e nos países vizinhos afetados por revoltas.

Em se tratando de estratégia básica, uma mudança no regime sírio poderia complicar ainda mais a vida dos EUA na região, a não ser que o país tenha a promessa de lideranças locais de que irão se comportar e buscar ser menos conflituosos que o antecessor, caso este caia.

Por enquanto são apenas conjecturas e discursos, de um Obama tentando angariar apoio e simpatia e melhorar sua popularidade, tentando fazer com que suas ações sejam pelo menos remotamente coerentes com seus discursos (e vice-versa).

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