Velhos e novos consensos morais

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Publicado Segunda, 24 de Abril de 2006 às 20:24, por: CdB

Durante muito tempo a Igreja Católica foi a guardiã da moral pública brasileira. O comportamento individual e coletivo foi, até a década de 1960, balizado pelo que os padres diziam nas missas e outros eventos de freqüência quase obrigatória, e por aquilo que já estava inculcado em cada um, fazendo parte dos consensos sociais sobre diversos assuntos. Os não-católicos, raramente, ousavam assumir publicamente esta condição. Era comum a existência de formulários com fins diversos, solicitando que se declarasse que religião se seguia. Automaticamente, partidários de outras crenças e os poucos descrentes em qualquer religião respondiam que eram católicos.

Havia uma religião nacional, que era seguida de perto por normas sobre questões afetivas e sexuais. Esta moral pouco se alterou em décadas. Obviamente, existiam diferenças de comportamento entre as classes sociais e as regiões onde se vivia, na continentalidade brasileira. A tendência geral era a de considerar os consensos sociais como verdadeiros e indiscutíveis. Estes tinham como principais pilares suas fortes bases religiosas. As variações eram também consensuais e relativas às comunidades socioregionais onde se estabeleciam. O maior rigor normativo quase sempre era capitaneado pelos mais pobres e oprimidos. Das classes médias para cima, havia um forte discurso moralista e práticas não tão integradas, gerando-se inúmeros conflitos subjetivos que fundamentavam rupturas, neuroses e dificuldades adaptativas.

Nas últimas cinco décadas, o capitalismo se instalou profundamente na vida brasileira, chegando a sua atual fase, que alguns críticos chamam de neoliberal. Tivemos um longo percurso de passagem de uma economia rural, para uma economia urbana. A maior parte dos brasileiros (80%) passou a viver nas cidades grandes, médias e pequenas. A antiga hegemonia católica esfacelou-se, bem como o consenso social sobre questões afetivas e sexuais. O país se dessacralizou e a moral e os moralistas se defrontaram com novas crenças e novos comportamentos que, mesmo fragmentariamente, trouxeram novos modos de encarar antigos problemas. As novas igrejas e mesmo os novos movimentos católicos já não são capazes de conseguirem os mesmos consensos de antes.

Os velhos consensos deram origens à formação de variações inimagináveis há cinqüenta anos atrás. Não é mais possível aprisionar a moral afetiva e a sexual em patamares muito unificados. Mesmo assim, se nota que não se estabeleceram os reinos da liberdade de escolha e de uma autoconsciência mais elaborada. Ao contrário, o avanço do capital implicou a mercantilização cada vez maior das relações interpessoais. Foram criados novos consensos sociais, bem mais móveis e flexíveis, que percorrem o desenho da sociedade e se integram às culturas acreditadas no país. Estas culturas vêm se sedimentando no consumo e no estabelecimento do mercado de bens simbólicos, como dantes nunca se viu.

É neste novo contexto que a afetividade e o sexo de hoje assombram pelas dissociações que podem estabelecer. As mídias são cheias de exemplos radicais de casos onde isto se aplica. Crimes famosos e altamente midiatizados servem para que se compreendam o atual uso mercantil encontrável nas relações entre pais e filhos, maridos e esposas, namorados e namoradas e mesmo entre irmãos, parentes e amigos próximos. O desenvolvimento do capitalismo, coloca em ordem do dia o anseio de enriquecer, consumir, receber heranças antecipadas, explorar quem estiver por perto etc.

Muitos dirão que se trata de casos isolados, aceitando a lógica do bem e do mal tão difundida pelas grandes mídias. Os casos de assassinatos brutais talvez sejam problemas que têm dimensões pessoais específicas, além de suas inserções nos problemas de nosso tempo. Mas estas existem e estão claramente representadas nas descrições jornalísticas destas brutalidades. Os motivos dos assassinos não são muito distintos de outros que não chegam a tanto, por inúmeras razões. Todos qu

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