Solidariedade sem discriminação

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Publicado Quinta, 08 de Março de 2007 às 08:06, por: CdB

O Brasil lamenta profundamente a morte de João Hélio, uma criança que perdeu a vida em circunstâncias inimagináveis. Todo o país manifesta indignação e dor, com um sofrimento sem tamanho.

O sentimento da perda é capaz de produzir os maiores gestos de solidariedade. Considero a solidariedade como capacidade de ver-se no/a outro/a, ou seja, de reconhecer em outra pessoa a sua dimensão humana com a qual se compartilha a existência. É o sentimento que traduz a compreensão de que a humanidade é uma só e que enquanto uma pessoa for violentada, toda a humanidade está doente. Assim, a dor pode tornar-se o sofrimento de um grupo social maior, e até, o de um País, ou mesmo dos quatro cantos do mundo, como foi o caso do recente tsunami.

É preciso lembrar que as pessoas não são nomes soltos no espaço, mas crianças, jovens, homens e mulheres com sonhos, alegrias, tristezas, manias, pessoas únicas com as suas respectivas teias de afetos, que não imaginam seus últimos momentos de forma tão dramática. Com João Hélio não foi diferente. Por ser criança, mais indefesa perante a violência, a comoção é bem maior.

As manifestações e os discursos emocionados mantêm viva a memória de um menino cuja breve existência veio evidenciar, mais uma vez, o enorme e inadministrável conflito instaurado no cotidiano de muitos cantos deste imenso Brasil.

A imprensa sabe explorar o fato e produzir um efeito unificado: lástima, indignação e, em alguns casos, ira descontrolada. Assim promove simultaneamente uma rede de solidariedade, mas também, por outro lado,  gera o sentimento generalizado de intolerância.

Noutra região deste mesmo país que chora a morte de João Hélio, cinco jovens (como tantos outros) foram cruelmente assassinados e esquartejados*, sendo que um deles foi encontrado pendurado num fio de arame como roupa estendida num varal.

O episódio não foi noticiado em nenhum jornal de importância nacional, não houve choro, nem velas, muito menos manifestações contra a impunidade, pois, além de pobres, esses jovens eram negros, e, por isso eram vistos como ameaça às classes mais abastadas. Morreram sem terem vivido dignamente. Foram mortes invisíveis, que não suscitaram gestos de solidariedade.

O silêncio é reflexo de uma espécie de licença não dita para eliminar seres considerados "execráveis" - como a juventude pobre e negra marcada ironicamente pelo estigma da periculosidade. Ironicamente, pois, são justamente os/as jovens negros/as as maiores vítimas da violência social.

Certamente, se um desses meninos fosse filho da classe média, todos saberíamos e somaríamos as nossas lágrimas às derramadas pelas mães que hoje estão isoladas e desconsoladas.

É neste clima que se instaura e acirra o debate sobre a redução da idade penal; com uma humanidade dividida onde umas pessoas são percebidas na sua condição humana e outras são invisibilizadas por sua condição social/racial. Para muitos, existem  duas categorias de pessoas: uma é humana, outra, nem tanto. A divisão é estabelecida implicitamente, mas é real e cruel. Instaura-se então um imaginário sobre a periculosidade de uns/umas em detrimento da suposta vulnerabilidade de outros/as.

Seguindo esta lógica, alguns segmentos da sociedade, desacreditados nas instituições, legitimam os grupos que fazem justiça com as próprias mãos, ou seja, os grupos de extermínio que determinam quem merece viver e quem merece morrer. Simples, como uma terra sem lei.
Contrapondo-se a esse pensamento, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tem como ponto de partida a idéia da igualdade que considera todas as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos compreendendo a sua condição peculiar de desenvolvimento, independente de classe, raça/etnia, religião, orientação sexual, deficiência... Esta é a lei que está, mais uma vez, na berlinda.

Enfim, muitos veículos de grande mídia se aproveitam da comoção nacional, produzida por ela m

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Edição digital

 

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