Salvar a honra

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Publicado Terça, 29 de Novembro de 2005 às 15:34, por: CdB

É famosa, na História, a frase de Francisco 1º, Rei de França, em carta enviada à Rainha Mãe, depois de derrotado na Batalha de Pavia pelas tropas espanholas, em 1525: "Tudo está perdido, menos a honra".

A história de José Dirceu não é a mesma, porque as circunstâncias são outras, mas ele - que provavelmente perderá o seu mandato - está lutando pela preservação de sua honra política. É essa luta que pode redimi-lo de seus erros - porque é claro que os cometeu - quando exercia o cargo de chefe da Casa Civil do presidente Lula.

O fato é que ele vem conquistando simpatias em todos os auditórios em que se faz ouvir. Com paciência, e mesmo com humildade, ele tem explicado o que houve no governo e procurado eximir seu chefe e o Partido, como um todo, da responsabilidade pelos escândalos divulgados.

Agora que Fernando Pessoa volta a estar na moda, vale a pena lembrar um dos mais sábios de seus poemas, no qual ele adverte que "os deuses vendem, quando dão; compra-se a glória com a desgraça, e felizes dos que são só o que passa". Poucos são os que passam pelo poder sem pagar, na saúde, na alma, e até mesmo no amor, o seu alto preço. A glória do poder passa depressa, e só costuma ser recuperada quando o poderoso já não pode usufruir dessa reconquista.

Dirceu é um homem relativamente moço, mas ainda assim, se perder agora o mandato, não lhe será fácil disputar outro, tão cedo. Quando o homem público vai para a planície por algum tempo, fica mais difícil escalar de novo a montanha. Disse Jânio Quadros, ao renunciar à presidência, em outra conjuntura histórica, ao falhar o golpe que pretendia dar, que "há muitas formas de servir ao Brasil". Dirceu é um animal político desde a adolescência.

É provável que ele, mesmo se for destituído de seu mandato, continuará fazendo política, como fez antes de se eleger deputado. É esse o seu destino e dificilmente dele se afastará.

Mas, à parte sua sorte pessoal, há outras coisas, e mais graves, em jogo. Dirceu é um dos alvos da velha oposição conservadora. Para as oligarquias velhas - e disso já tratamos neste mesmo espaço - é um desaforo que homens de esquerda e vindos das camadas pobres do povo ocupem cargos públicos. O poder tem sido, em nosso país, um bem transferido de pai para filho e de filho para neto.

Alguns homens de esquerda são os primeiros "filhos de ninguém" a chegar ao poder no Brasil, e isto é visto pelas oligarquias como ofensa. É certo que muitos filhos de pessoas modestas que se elegeram pela esquerda foram depois cooptados pela direita, como certos ídolos populares, entre eles cantores, atores e locutores de rádio, mas, no caso, se trata de um problema de teratologia política.

O ódio espumante da direita não é contra Dirceu, mas contra a posição que ele representava no governo. A direita faz elogios a Palocci e baba de entusiasmo pelos ministros que defendem os seus interesses corporativos, como é o caso dos ministros da Agricultura, da Indústria e Comércio e do Turismo, mas não tolera os que ameaçam a sua hegemonia histórica. Dirceu é um bode expiatório.

O que resta saber é se, no caso em que consigam expeli-lo da Câmara, ficariam saciados com uma só vítima. Ao que parece, não. E Palocci, que tanto os satisfaz, já se mostrou descartável. A política que ele executa não é dele, é do Departamento de Estado. Qualquer um que saiba ler bem as instruções em inglês pode executá-la.

No fundo, a defesa de Palocci de maior superávit primário é simples: convém aos grandes do mundo - e de quase todos somos devedores - que a economia brasileira melhore, mas não admitem que cresçamos mais do que lhes convêm.

É por isso que, apesar dos reconhecidos êxitos na correção das desigualdades sociais históricas, com os investimentos na área social, são reduzidas as iniciativas que nos conduzam a uma retomada acelerada do projeto nacional de desenvolvimento autônomo.

O resto é jogo de cena.

Mauro Santayan

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