Relações perigosas

Arquivado em:
Publicado Sexta, 21 de Janeiro de 2005 às 09:38, por: CdB

Hoje (20/01), tomou posse em Washington o presidente reeleito, George W. Bush. Boa ocasião para refletir um pouco sobre as relações do Brasil com os Estados Unidos. Queiramos ou não, essa continuará sendo a dimensão crucial da política internacional do nosso país.

Sobre esse tema, uma leitura é indispensável: o livro de Luiz Alberto Moniz Bandeira, "As relações perigosas: Brasil-Estados Unidos (de Collor a Lula, 1990-2004)", lançado pela editora Civilização Brasileira no final do ano passado.

Essa obra não teve o destaque merecido. Não é de surpreender. Moniz Bandeira escreve de um ponto de vista rigorosamente brasileiro. E, como dizia Nelson Rodrigues, "o Brasil é muito impopular no Brasil".

No período Collor-FHC, a política externa brasileira atravessou uma fase melancólica, em que predominaram posturas atemorizadas e subalternas. Fernando Collor, do alto da sua ignorância e despreparo, anunciou em visita a Washington, em 1991, o fim de uma "fase amadorística (sic) e romântica" nas relações do Brasil com os Estados Unidos. Deslumbrado provincianamente com a perspectiva de um mundo unipolar, Collor procurou acomodar o Brasil às diretrizes de Washington. Nada conseguiu com isso, observa Moniz Bandeira, a não ser alguns elogios (o presidente Bush, pai do atual presidente dos EUA, qualificou-o de "líder moderno" e "presidente extraordinário"...).

Fernando Henrique Cardoso era mais sutil e sofisticado do que Fernando Collor, mas não foi essencialmente diferente no campo internacional. Apesar de algumas firulas retóricas, tratou de ajustar-se, na prática, aos interesses dos EUA, como mostra Moniz Bandeira. A marca do seu governo foi a resignação. Merece capítulo a parte, a gestão da vaporosa figura de Celso Lafer no Itamaraty. Moniz Bandeira apresenta um relato constrangedor e uma crítica arrasadora da passagem de Lafer pelo Ministério das Relações Exteriores, concluindo que por suas "iniciativas e atitudes subservientes e servis" em relação a Washington ele se configurou como "o pior chanceler da história do Itamaraty".

Barbosa Lima Sobrinho costumava dizer que no Brasil sempre houve dois grandes partidos: o de Silvério dos Reis, que procura atrelar o país a interesses estrangeiros, e o de Tiradentes, que não transige com os interesses nacionais. Nos anos 90, o partido de Silvério dos Reis dominou amplamente. Mas o de Tiradentes não chegou a ser totalmente soterrado.

Desde o início da década de 90, um dos grandes desafios para o Brasil era o projeto dos Estados Unidos de criar uma Área de Livre Comércio das Américas. O Brasil não se sentia (como ainda não se sente) em condições de recusar abertamente esse projeto. Porém, o nosso interesse, lembra Moniz Bandeira, consistia em consolidar o Mercosul e constituir um "segundo círculo concêntrico" mediante a celebração de acordos de livre comércio do Mercosul com outros países sul-americanos.

O processo desembocaria na formação de uma Área de Livre Comércio da América do Sul, que começou a ser impulsionada por Celso Amorim, chanceler durante o governo Itamar Franco. A sinalização era de duplo sentido, explicou Amorim em depoimento ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas, em 1997. De um lado, mostrava que o Mercosul não se esgotaria em si mesmo e constituía o núcleo de um processo maior de integração. De outro, reconhecia que a realidade para o Brasil não era tanto a América Latina, mas, sim, a América do Sul.

Este é o projeto que está sendo retomado agora no governo Lula. O partido de Tiradentes voltou a predominar no Itamaraty. E as condições são agora muito mais favoráveis do que no começo dos 90. O fracasso das políticas econômicas liberais recomendadas pelo chamado Consenso de Washington favoreceu o ressurgimento da preocupação com a autonomia nacional e do interesse pela integração sul-americana. Além disso, a inabilidade do governo George W. Bush, a

Tags:
Edição digital

 

Utilizamos cookies e outras tecnologias. Ao continuar navegando você concorda com nossa política de privacidade.

Concordo