R$ 1 bi para o sistema prisional 'é um bom primeiro passo', diz especialista

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Publicado Quarta, 07 de Setembro de 2011 às 13:16, por: CdB
R$ 1 bi para o sistema prisional 'é um bom primeiro passo', diz especialista

A ex-diretora do sistema penitenciário do Rio de Janeiro falou sobre os investimentos, a burocracia da justiça, o descaso com os presos e os desafios de levar presídios para os municípios

Por: Raoni Scandiuzzi, Rede Brasil Atual

Publicado em 07/09/2011, 19:00

Última atualização às 19:00

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São Paulo – Julita Lemgruber foi a primeira mulher a enfrentar, com uma categoria singular, o sistema penitenciário do Rio de Janeiro, entre 1991 e 1994. A dura tarefa de ser diretora da rede e saber lidar com os presos não a intimidou e ela acabou se tornando especialista no sistema prisional brasileiro. Julita conhece profundamente a dura realidade das carceragens superlotadas e as dificuldade vividas diariamente por aqueles que convivem nesse mundo.

Justamente às vésperas de o governo federal anunciar um pacote de R$ 1 bilhão para melhorias no sistema prisional brasileiro, Julita falou à Rede Brasil Atual sobre onde esses recursos devem ser investidos para tentar diminuir a deficiências. Entre as opiniões da ex-diretora que também é socióloga, ela defende, além de construção de novas unidades prisionais, mais investimentos na dinamização do sistema judiciário.

“Outro problema que contribui para a superlotação das cadeias é a quantidade enorme de presos que já teriam direito a benefícios legais e continuam cumprindo pena. Somente nos mutirões do Conselho Nacional de Justiça, em 2010, houve a liberação de aproximadamente 20 mil presos, que cumpriam pena ilegalmente”, analisa Julita.

Confira abaixo a íntegra da entrevista com a especialista que atualmente é diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes.

RBA: Levando em conta o número de vagas que faltam nos presídios e o alto investimento necessário para se construir novas penitenciárias, até que ponto o pacote de R$ 1 bilhão anunciados pelo governo para o setor irá resolver o problema?
Um bilhão é um bom primeiro passo. O que é prioridade no Ministério da Justiça é tirar presos de carceragens policiais, pois são milhares de presos Brasil afora que estão nessa situação altamente degradante.

Quais malefícios traz para o preso, para a polícia e para a sociedade, manter um detento em carceragem policial?
Quem já teve a oportunidade de visitar uma dessas carceragens, pode notar que essas pessoas são privadas da liberdade de uma forma absolutamente cruel e desumana. Muitas delas são mantidas em locais que não é possível manter nem animais. Certamente isso é um péssimo negócio para a sociedade, porque essas pessoas saem desses períodos de prisão, geralmente provisória, muito revoltadas, querendo descontar na próxima esquina.
 
Quais outros mecanismos, além da construção de unidades prisionais podem ser usados para acabar com a superlotação nos presídios?
Temos um outro problema que contribui para a superlotação das cadeias que é a quantidade enorme de presos que já teriam direito a benefícios legais e continuam cumprindo pena. Somente nos mutirões do Conselho Nacional de Justiça, em 2010, houve a liberação de aproximadamente 20 mil presos, que cumpriam pena ilegalmente. Portanto esse é um problema que deve ser atacado ao mesmo tempo, não dá para ficar imaginando que construir unidades prisionais apenas vá resolver o problema. No Nordeste, por exemplo, há estimativa que 50% dos presos já teriam direito a livramento condicional.

O que dizer para aquelas pessoas que consideram que esses recursos poderiam ser investidos em educação ou saúde pública, em vez de serem destinados ao sistema prisional?
As pessoas querem que se invista em segurança pública, mas às vezes se esquecem que investir no sistema penitenciário também faz parte dos investimentos necessários para se reduzir os índices de criminalidade e violência. Nada é mais certo que a máxima que diz 'violência gera violência', então se tratarmos essas pessoas de forma violenta, desumana, desrespeitosa, indigna, certamente essas pessoas vão se tornar mais violentas.

O investimento no treinamento policial não surtiria um efeito mais positivo para o sistema de segurança que o investimento na melhoria das condições dos presídios?
Não acredito que essas coisas possam ser definidas de forma independente. Precisamos pensar no sistema de segurança pública em geral, no sistema de justiça criminal como um todo. Essas são partes do sistema de justiça criminal, e o estado precisa ter equilíbrio, discernimento, e sensibilidade para saber quais são as prioridades de investimento e aplicar o dinheiro, de fato.

Qual a forma de convencer um município a receber uma penitenciária?
O que acontece no Brasil é exatamente o oposto do que acontece nos Estados Unidos, onde os municípios lutam entre si para conseguir a construção de uma unidade prisional, porque isso gera renda, na medida em que as pessoas vão ter trabalho nesses lugares, vão ter salários, vão fazer compras no comércio local, então se tem uma dinamização da economia local.

É realmente uma luta no Brasil convencer um município a aceitar um presídio.
Tem sido sim, no Rio de Janeiro, por exemplo, no município de Friburgo, que tem uma carceragem policial caindo aos pedaços, que não apresenta nenhuma segurança, não quer que se construa uma cadeia pública naquela região geográfica. Isso é uma atitude conservadora e sem cabimento. É necessário que o poder púbico se reúna com essas lideranças locais e discutam essas questões.

Algumas pessoas defendem a construção de presídios em lugares remotos, você é a favor dessa medida?
De jeito nenhum, porque isso afasta o preso da família, e se há alguma possibilidade de o preso não voltar à criminalidade, é mantendo laços estreitos com a família, então eu sou totalmente contra.

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