Paraguai: Franco, o novo Stroessner

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Publicado Quarta, 27 de Junho de 2012 às 09:14, por: CdB

Alfredo Stroessner foi recebido em 4 de maio de 1954 — e até alguns meses depois — com júbilo por pessoas com trajetória democrática de toda uma vida. Mesmo Augusto Roa Bastos, nosso principal escritor nacional, barbaramente perseguido pela ditadura stroessnista, dedicou a ele um poema que aplaudia o novo governo — ditadura — em seu início.

Por Ricardo Canese, no ABC

Indubitavelmente, Roa Bastos se enganou, já que seu apoio à incipiente ditadura foi um peso moral que carregou por toda a vida e era algo de que não queria falar, pela profunda vergonha que causava. Outros que hoje se fingem de democratas apoiaram publicamente o ditador Alfredo Stroessner por anos e mesmo décadas e, quando era evidente que a ditadura acabava, se tornaram furibundos “democratas”.

A atual maioria parlamentar, produto dos votos em lista, perpetrou na sexta-feira um autêntico golpe de Estado parlamentar. A época das quarteladas já saiu de moda, definitivamente. Há países com democracia consolidada onde nunca se produzirá um golpe de Estado, inclusive na maioria dos países de nossa anteriormente instável América Latina.

Mas, no Paraguai, como constatamos lamentavelmente, podem se dar golpes muito parecidos com o aplicado por Hitler na culta Alemanha, faz uns 80 anos, também um golpe parlamentar. Contra o governo de Fernando Lugo não foi apresentada prova alguma, como confessam desavergonhadamente os deputados que apresentaram e aprovaram um arremedo de acusação num prazo de apenas duas horas. O Senado deu menos de um dia a nada menos que o Presidente da República para exercer seu direito de defesa, enquanto em julgamentos sumários, como o das multas de trânsito, todo cidadão tem cinco dias para apresentar sua defesa. Também ao ex-presidente Cubas foram dados cinco dias para defender-se.

É provável que os insignes parlamentares, aprendizes de ditadores, consideram que uma multa de trânsito mereça mais garantias constitucionais que quem tinha exercido a Presidência da República durante quatro anos com alta aceitação popular. Foram violadas todas as normas de processo legal e de legítima defesa, porque os golpistas sabiam que a única oportunidade de chegar ao poder era fazer um julgamento político meteoricamente, mesmo violando a Constituição. De outra forma, a reação democrática de nosso povo e do mundo não teriam permitido.

Stroessner qualificava seu regime como “uma democracia sem comunismo”. Do primeiro não tinha nada e o segundo — a eliminação do comunismo — era apenas uma desculpa para eliminar, inclusive fisicamente, a todo democrata e não apenas aos valentes membros do Partido Comunista, que foram aqueles que com mais convicção e empenho se opuseram à ditadura stroessnista. O então Partido Liberal teve traidores da democracia que, desde o início, se prestaram ao jogo do ditador. Os liberais mais dignos — como Domingo Laíno — lutaram desde o início com todos os meios a seu alcance contra a ditadura, o que custou centenas de vidas, torturas, prisão e exílio não apenas a membros deste partido libertário tradicional do Paraguai, como a militantes de todos os demais partidos políticos e de organizações sociais do país, como as Ligas Agrárias.

Hoje, o ditador Federico Franco — e o bando que o apoia desde a cúpula de seu partido — trai os princípios libertários do partido e os mancha para sempre com a ditadura, uma desonra que causou profunda impressão no Partido Colorado. A horas de perpetrar-se o golpe, já existiam ameaças de morte contra pessoas íntegras que se opõem à ditadura. Não sabemos até quando teremos segurança para nossas famílias e para nós mesmos. Ainda assim, como fizemos durante a ditadura de Alfredo Stroessner, reiteramos nosso chamado a nos manifestarmos pacificamente em toda a República para exigir que o único Presidente constitucional da República do Paraguai, Fernando Lugo, assuma novamente suas funções e que se restitua o estado de direito, violado lamentavelmente pelo ditador Franco e sua quadrilha.

 

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