O que só a marcha de abertura revela do Fórum Social

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Publicado Quarta, 25 de Janeiro de 2012 às 17:16, por: CdB

O que só a marcha de abertura revela do Fórum Social“Basta de guerra aos pobres”, dizia uma bandeira. As pessoas se abanavam diante da sensação térmica de 40 graus e a umidade intolerável. Se abanava uma velha, das poucas que integravam a marcha. Havia poucos negros e mulatos. Talvez por isso um negro velho e grisalho sustentava a ponta de uma bandeira: “Movimento de luta pela reparação para o povo negro e indígena pela escravidão genocida”.

Martín Granovsky

Porto Alegre - Um cartaz diz: “Crianças vivendo no lixo, nunca mais”. E ao lado um grupo entoa: “Deusre/cicla/Odiaboin/cinera”.

É parte da manifestação que inaugura a presença popular nas ruas de Porto Alegre do Fórum Social Temático. A marcha partiu do velho mercado da Praça Parobé, justo em frente à loja que a cooperativa de assentados do Estado do Rio Grande do Sul tem para vender sementes, quinoa ou arroz orgânico. A mesma loja que o diretor geral José Graziano visitou na terça-feira (24), como símbolo de sua política na FAO.

A Loja da Reforma Agrária está ao lado da Loteria Gaúcha. Ali atendem vendedoras e vendedores com camisetas vermelhas e a imagem de Ernesto Che Guevara. Emerson José Giacomelli, 39 anos, explica que o estabelecimento vende produtos da Cooperativa Central dos Assentados do Rio Grande do Sul. Mas “assentados” não significa a mesma coisa que pode se entender com um primeiro golpe de compreensão.

“Primeiro é o acampamento de nossos colonos, quando chegam numa terra”, diz Giacomelli. “Quando se assentam é porque foram conseguindo a posse”, diz ele, esclarecendo que, como na Argentina, tudo depende em boa medida da quantidade de trabalho investido ao longo do tempo em uma terra.

Os primeiros assentamentos no Rio Grande do Sul, um Estado de sete milhões de habitantes, datam de 1979. Aprofundaram-se nos últimos anos da ditadura e na volta à democracia, em 1985. A Cooperativa Central está vinculada ao poderoso Movimento dos Sem Terra, liderado por João Pedro Stédile.

A loja é pequena, ordenada. Fica de frente para a praça e do outro lado dá aos corredores do mercado, dominados por peixarias de salmões e bacalhaus. “Este é um espaço de articulação para que 13 mil famílias comercializem seus produtos”, explica Giacomelli, que também tem sua camiseta vermelha, mas sem o Che à vista.

Eles produzem arroz, grãos como soja e trigo, lácteos. Tentam se especializar em produtos orgânicos. Alguns trabalham em forma mecanizada. Outros, de maneira manual. Giacomelli sorri quando apresenta a obviedade mais interessante do local: “Não está nada mal que tenhamos esta loja no mercado que é um dos orgulhos históricos de Porto Alegre, que é visitado por compradores e turistas do Brasil e de todo o mundo, que se vê da praça com facilidade”.

O que aconteceu com os assentamentos durante os governos de Lula e Dilma? Giacomelli indica que as relações são boas, mas que caiu a quantidade de assentamentos. Ele atribui a problemas de localização, a falta de infra-estrutura e a demora em outorgar créditos.

Também porque muitas vezes, além das taxas eventualmente altas, o que afugenta os colonos tomadores de crédito é a quantidade de condições formais para aceder a um empréstimo. A infra-estrutura dificulta os assentamentos se, por exemplo, a cidade mais próxima, que será o destino de comercialização, fica a 70 ou 80 km.

Ali, próximos da erva-mate ecológica Ecobio e da quinoa vermelha, se concentraram milhares dos participantes do Fórum Social Temático. Estavam os de deus recicla e o diabo incinera. Os que batucavam em plena Borges de Medeiros, um senhor que para quem fez a placa foi “um grande político rio-grandense e propagandista da república”.

Uma bandeira amarela dizia: “Basta de guerra aos pobres”. As pessoas se abanavam diante da sensação térmica de 40 graus e a umidade intolerável. Se abanava uma velha, das poucas que integravam a marcha, majoritariamente jovem, e se abanavam os engraxates, sob o mormaço, apesar das sombrinhas patrocinadas.

Passou a coluna de “bola na rede e bons tratos”, com sua bandeira levantada por crianças. Ao lado do vendedor de água a dois reais, bem geladinha, desfilaram as camisetas cor de laranjas da acessibilidade. Um grupo propunha, abertamente, “salvar o planeta, não o capitalismo”. Uma garota distribuía um panfleto do Crítica Radical, que propunha a emancipação humana.

Caminharam os que fazem a campanha para que se aprove a lei de economia solidária. Os de Greenpeace ao lado dos socialistas. E um pouco depois vinham os que andavam atrás de cartazes que diziam “Nuances” e propunham a “livre expressão sexual”. Também liberdade, mas relacionada com a descriminalização do consumo, pedia o cartaz com o lema: “Legalize a maconha”. E outro, que com um desenho dizia, com cheiro de Manu Chao: “Liberdade de expressão, bixo verde”.

Poucos negros e mulatos em geral. Talvez por isso um negro velho e grisalho sustentava a ponta de uma bandeira amarela: “Movimento de luta pela reparação para o povo negro e indígena pela escravidão genocida”. Às seis da tarde trovejou em Porto Alegre. A marcha já havia se estendido antes da chuva e a cauda ficava justamente na esquina da Rua Riachuelo.


Fotos: Rafael Correa/Carta Maior
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