O império e a ilha

Arquivado em:
Publicado Segunda, 15 de Maio de 2006 às 13:26, por: CdB

Há duas percepções que induzem à ilusão da completa auto-suficiência. Uma é a que se arma a partir de um império: ele é tão vasto que, aparentemente, tudo contém. A outra é a insular: vivendo-se numa ilha, com o tempo pode parecer desnecessário que sinais do resto do mundo lá cheguem.

Uma ridícula sensação de império tomou conta dos arautos da nossa plutocracia na mídia, no Congresso e na política, diante da nacionalização das reservas petrolíferas na Bolívia. O que manifestam não é nacionalismo: é uma arrogância imperial, exigindo que o governo brasileiro "dobre" os bolivianos.

Por outro lado, na euforia de seu gesto, o governo boliviano dá sinais de começar a ser possuído por uma espécie de autismo insular. "A Petrobrás vai ter que se decidir", disse o ministro boliviano de Hidrocarbonetos, Andrés Solis Rada. E completou: "enquanto tiver como sócios majoritários as grandes transnacionais, o governo do presidente Evo Morales não vai participar do megaprojeto". Esse "megaprojeto" é a construção do gasoduto que deverá ir da Venezuela à Argentina e talvez ao Chile, incluindo possivelmente a Bolívia.
Pera lá. Se o projeto sair do papel e do palavreado, e seria bom que saísse, quem vai ter de se decidir é a Bolívia. O ministro Celso Amorim declarou e tem razão que sem a Petrobrás não há projeto.

A Bolívia não pode cair numa compreensão insular de sua história e de sua revolução republicana, sob pena de ver, como antes, sua desagregação. A Bolívia, no século XX, fez dois ensaios revolucionários. O primeiro, em 1952, com a revolta dos mineiros que derrotaram o exército, impondo reformas políticas de monta em La Paz, como a do voto universal. Mas depois, isolados na América do Sul, viram o Exército ser reconstruído, com apoio dos Estados Unidos, e contra seu próprio povo, impondo ditaduras brutais.

A segunda se deu na década de 70, com o governo progressista do general Juan José Torres. De novo, isolados num cerco de ditaduras de direita, os bolivianos viram a derrocada da sua revolução, e Torres acabou sendo assassinado, na série de eliminações de lideranças de esquerda ou simplesmente dissonantes na América Latina.

Não estamos, felizmente, num clima de guerra. Mas o episódio da infeliz guerra do Paraguai pode servir de ilustração, por analogia. Tivemos, na historiografia brasileira, uma primeira percepção da guerra do tipo imperial e triunfalista. O "agressor" paraguaio foi contido pelo "heroísmo" brasileiro, no comando da tríplice aliança. Nada disso. Havia, isto sim, uma luta política pelo controle do Rio da Prata. O Paraguai, naquela época, buscava uma "saída para o mar", como a Bolívia reclama agora.

Depois, tivemos, na nossa historiografia mais recente, uma percepção completamente disfórica e distímica daquela sangrenta guerra. O Brasil, fazendo supostamente um jogo da Inglaterra, destruíra o país vizinho e seu povo, o mais adiantado da América do Sul.

É verdade que a guerra acabou com o Paraguai, e que o exército brasileiro foi um dos responsáveis por isso, nos campos de batalha. Mas o despreparo político de Solano Lopez e de seu comando militar foi co-responsável pelo massacre.

O governo paraguaio confiou na preparação profissional de seu exército e na desorganização militar do Brasil, além de imaginar ter apoios seguros no Uruguai e contar com a desorganização interna da Argentina, recém saída de disputas sangrentas pelo poder central e de rebeliões provinciais contra Buenos Aires, inclusive em Corrientes.

Tudo isso tinha foros de verdade. Mas havia outras verdades que tinham de ser levadas em conta: o Paraguai não tinha nem tamanho nem população para ocupar sequer uma parte do Brasil; e não tinha força nem efetivos suficientes para enfrentar os dois maiores países da América do Sul ao mesmo tempo, e mais o Uruguai de quebra.

Além disso, a partir de certo ponto a obstinação de Lopez voltou-se contra o próprio país. Há indícios de que, através da ma

Tags:
Edição digital

 

Utilizamos cookies e outras tecnologias. Ao continuar navegando você concorda com nossa política de privacidade.

Concordo