Nossa Violência Brilha

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Publicado Quarta, 15 de Outubro de 2003 às 08:57, por: CdB

O longa metragem documental/jornalístico "Ônibus 174", de Felipe Lacerda e José Padilha, é lançado em circuito de arte em Nova York e emplaca críticas positivas. A imprensa americana especializada tem comparado a obra com "Cidade de Deus". É natural tal comportamento pois se trata de filmes recentes vindos de um mesmo país e sobre a mesma problemática social. E termina aí. As diferenças básicas entre as duas produções são primeiramente a linguagem (um documentário e uma ficção) e a inspiração (um "Globo Repórter" e um pop-publicitário).

Não que essas diferenças não sejam assimiladas pelos profissionais da área. Um crítico de cinema sabe reconhecer o que ecoa da cinematografia de seu próprio país. O próprio cineasta Fernando Meirelles reconheceu o olhar estrangeiro sobre a temática que aborda seu "Cidade de Deus". O crítico Joshua Tanzer, que já teve passagens pelo New York Post, conclui sua visão sobre "Ônibus 174" da seguinte forma: "Pense no filme como o melhor episódio de 'Cops' (programa de TV norte-americano) já feito".

Ao conversar pessoalmente com o crítico de cinema americano Armond White, do New York Press, em 2002, descobri que a crítica conhece muito pouco da cinematografia brasileira. Referências básicas: "Antônio das Mortes" (título internacional de "O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro", de Glauber Rocha) e "Central do Brasil", de Walter Salles. Consideremos que filmes da Xuxa e do Renato Aragão não teriam lá o êxito que tem por aqui. Sobrariam então os filmes violentos ou miseráveis (o que parece um absurdo, visto que o país produz cerca de 40 filmes por ano)?. "O Invasor", de Beto Brant, é sucesso em Sundance, mesmo festival que exibiu no início do ano pela primeira vez em terras ianques "Ônibus 174". A fita de Brant mostra uma violenta e desonesta relação de ambição, envolvendo diferentes classes sociais.

 Se levarmos em consideração esse número de filmes que "fazem a cabeça" do circuito de arte norte-americano, podemos afirmar que somente fitas com violência e contraste social agradam. Ou ainda, que a visão internacional sobre o cinema feito no Brasil se restringe a isso. Mais assustador é pensar que esses mesmos filmes são os de maior sucesso por aqui também. Afinal, estaria a platéia ficando padronizada no mundo todo? 

Se formos pensar nos comentários que são feitos sobre nossas produções lá fora, não passamos de, apesar de tudo, cópias. A conclusão de Tanzer reduz o documentário de Padilha e Lacerda há um estereotipado e decrépito programa de TV. O filme de Meirelles foi comparado com bastante freqüência à linguagem de Tarantino. Já por aqui, os filmes de Beto Brant são rotulados por uns como "filme de Sundance", como eufemismo para "filme de exportação". 

E para dar seguimento à leva de películas brasileiras que causam repercussão na imprensa americana, "Carandiru". A adaptação do livro de Drauzio Varella, "Estação Carandiru", dirigida por Hector Babenco, é o escolhido para concorrer a uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

"Carandiru" é um grande filme, feito por um cineasta consagrado, com passagens por Cannes. Narra os momentos finais do presídio paulista e o confronto sanguinolento dos presidiários com a polícia. Concorria também a vaga de concorrente a concorrente, o longa "O Homem que Copiava", que traz a violência de forma menos pulsante e catastrófica.

Por enquanto, ficamos com a velha e contrastante questão da imagem do cinema brasileiro nos EUA. Isso talvez seja a ilustração perfeita para o estrangeiro associar os índices de desigualdade social do Brasil, os maiores do mundo. 

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