Maluf - ressurreição abortada

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Publicado Domingo, 11 de Março de 2007 às 04:10, por: CdB
O processo contra o ex-governador biônico e ex-prefeito de São Paulo por suas contas secretas suíças tinha tudo para terminar em pizza, bem nos hábitos brasileiros. Deputado federal mais votado por São Paulo, já empossado em Brasília, Maluf poderia se sentir absolvido pela vontade popular. Os esforços de Silvio Marques, promotor paulista, levaram ao Brasil 25 quilos de extratos bancários, títulos e documentos relacionados com as contas bancárias ex-secretas de Maluf na Suíça, mas não conseguiram levar a termo o processo.

O tempo aliado à lentidão da justiça ia fazer seu serviço e, se mais tarde, saísse uma sentença, Maluf já velhinho iria se beneficiar da mesma compaixão que provoca o ex-juiz Lalau em prisão domiciliar ou das facilidades permitidas ao ex-jornalista Pimenta Neves, cujo crime sem castigo inspirou um magistral romance do argentino Tomás Eloy Martínez, O vôo da rainha, na série dos Sete Pecados Capitais, a Soberba.

Foi aí que entrou a justiça americana que, pelo visto não segue o roteiro do happy end da indústria americana do entretenimento. Os mesmos americanos que, na política externa, financiam golpes e ditaduras militares, como foi a nossa, reservam surpresas em termos de controle de contas e dinheiro, com uma justiça implacável.

De um lado, Maluf deveu sua carreira política à ditadura militar abençoada pelos americanos e quase chegou à presidência; do outro, são os mesmos americanos que, com seu calvinismo judiciário, disparam a última bala na carreira de um político em ressurreição.

Quem pode entender ou catalogar os Estados Unidos? Foi essa mesma justiça americana de Nova Iorque que desnudou e colocou nu no pelourinho o país mais americano e mais capitalista da Europa - a Suíça. Pelo mesmo delito - o de não ser zelosa com o dinheiro, no caso o dinheiro dos judeus desaparecidos nos campos de extermínio nazistas.

As contas de Maluf se movimentavam das Ilhas Caymans para a Suíça, passando pela ilha de Jersey para novamente retomarem o caminho das Caymans, numa mistura de nomes coloridos - diamante azul, rubí vermelho e chanani, outro nome dos fenícios que também se chamavam vermelhos. Mas, no caminho, as contas cometeram um desvio fatal - passaram por Nova Iorque, onde fica o banco da poderosa família libano-brasileira Safra.

Na gaveta do promotor de Genebra, ficou guardada uma denúncia que poderia ter levado a um processo penal suíço por lavagem de dinheiro contra Maluf. A justiça de Genebra preferiu a a colaboração judiciária com o Brasil, em lugar de assumir sozinha o processo. Não fora isso, o mandado internacional de prisão contra Maluf teria sido emitido pela Suíça. Onde a justiça suíça não quis ir, os EUA chegaram e por muito menos - em lugar de 200 milhões de dólares, apenas 11,7 milhões.

No meu livro sobre Maluf, lembrei a hipótese da pizza mas falei também da possibilidade de Maluf ser reduzido à impotência de um milhãonário detido dentro do Brasil, amargando a frustração de não poder mais sair, sob pena de ser preso. Chegamos lá.

Estranha ironia, logo depois de ter proposto na Câmara Federal um aumento da pena de prisão aos delinquentes (nome dado no Brasil aos excluídos), Maluf corre o mesmo risco. Talvez ele devesse meditar na frase de Jean Ziegler, relator da ONU -"os milhões de dólares transferidos por Maluf e escondidos na Suíça com a cumplicidade ativa dos banqueiros (não só) suíços são o sangue e as lágrimas dos favelados de São Paulo".

Critiquei Ruy Falcão, no meu livro, por ter preparado o caminho para a aliança de Marta Suplicy-Maluf ao pronunciar a frase "indiciado não é condenado". Quem sabe, agora a condenação americana a Maluf traga à razão a ex-prefeita paulistana petista - é melhor tentar uma eleição sozinha, do que ganhar perdendo a credibilidade. Existem misturas que são fatais.
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