Lugar de mulher é nas arquibancadas, sim

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Publicado Terça, 17 de Maio de 2016 às 06:09, por: CdB
  Por Penélope Toledo - do Rio de Janeiro:   Vou contar uma história pessoal, mas que se assemelha a muitas histórias de muitas mulheres que entendem que o seu lugar é a arquibancada: no jogo Corinthians X Nacional, um rapaz parou atrás de mim no degrau, estreito, da arquibancada, de forma que minhas opções eram ficar na ponta, quase caindo para a frente, ou dar um passo para trás e tocar meu corpo no dele. Pedi que ficasse ao meu lado, mas a resposta foi “aqui é torcida, se não quer que encoste, fique em casa”. Tentei explicar que encostar é uma coisa, ficar atrás de mim, outra, mas qual não foi o meu espanto quando todos os homens ao redor,  que nada tinham a ver com o assunto!, fizeram coro, afirmando que se eu não queria ser que “encostassem”, não ficasse ali.
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Torcedoras do Juventus de São Paulo, em jogo contra a Portuguesa de Desportos no Canindé
Algumas questões neste episódio me chamaram a atenção. A primeira, evidentemente, é a naturalização do assédio, a legitimação social de atitudes como esta. Também me incomodou a solidariedade masculina, a defesa imediata e sem questionamentos, sem ao menos se perguntarem se eu teria o direito de não querer que “encostassem” atrás de mim. A transferência da responsabilidade é outra coisa que me intrigou, sugerir que eu queria, pois do contrário, não estaria ali. O que me escandalizou mesmo, porém, foi a demarcação territorial da arquibancada como um “lugar de homem”. Eu que “visse o jogo em casa!”, foi o que disseram. Como se as arquibancadas fossem um território masculino e as mulheres estivessem ali de intrusas e, portanto, desprovidas de direitos e tendo que aceitar as regras impostas por eles. Apesar da incompreensão, da resistência ou da negação de parte dos homens, as arquibancadas nunca foram território só masculino. A expressão “torcedor”, inclusive, vem da presença das mulheres, das luvas que elas torciam entre as mãos com ansiedade durante os jogos nos primórdios do futebol. De lá para cá, a participação feminina tem crescido e embora não haja dados muito precisos sobre sua presença nas arquibancadas (os estudos abordam mais o total dos torcedores/as), segundo a pesquisa da Pluri Consultoria, a mais usada nestas análises, 68,9% das mulheres (67,2 milhões) são torcedoras de algum clube. Além disso, tem aumentado o número e o protagonismo das torcedoras organizadas, com mulheres ocupando funções de destaque dentro das TOs, criando facções femininas e, mesmo, suas próprias TOs. São herdeiras de Dulce Rosalina, que em 1956 assumiu a presidência da Torcida Organizada do Vasco (TOV), sendo a primeira mulher com esta função. As organizadas Camisa 12, do Internacional, e Setor Alvinegro, do Ceará, por exemplo, são presididas por mulheres, enquanto TOs como Torcida Feminina da Savóia (Palmeiras), Jovem Fla Pelotão Feminino e a Galoucura Feminina, dentre outras, têm facções de gênero e há, ainda, TOs exclusivamente femininas, como a Flu Mulher. É importante que os homens tenham a consciência de que a mulher, para se sentar em uma arquibancada, precisou superar muitos desafios, que começam dentro de casa, com o machismo por parte de seus pais e companheiros (“mulher/filha minha não sai de casa!”), passando pelo machismo da sociedade e seus julgamentos morais (“piranha, quer ficar cercada de homens”, “sapatão”, “mulher de respeito não fica na rua até essa hora!”), até o machismo no próprio estádio, como o assédio narrado e/ou a desconfiança (“mulher não entende de futebol”). Portanto, torcer pelo seu clube de coração, em uma sociedade machista, é um gesto de superação, uma coragem enorme e um amor incondicional. Por tudo isso, e por uma questão de justiça, não faz o menor sentido que em pleno século XXI as mulheres sejam desrespeitadas e vistas como intrusas nos estádios de futebol. As arquibancadas são espaços plurais, nelas cabem todos os tipos de diversidade entre pessoas que compartilham a mesma paixão, nelas cabem a coexistência entre os gêneros sem a necessidade de disputar espaço. E ainda que alguns homens infelizmente demorem a entender, ainda que muitas mulheres tenham que comprar briga para demarcar o seu espaço, o fato é que lugar de mulher foi, é e será nas arquibancadas SIM. Penélope Toledo, é comunista, jornalista com passagem pelo jornal Lance!, e escreve quinzenalmente no Arquibancada.
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