João Hélio e a sociedade brasileira

Arquivado em:
Publicado Quinta, 15 de Fevereiro de 2007 às 12:27, por: CdB

João, na etimologia mais remota, do hebraico, dizem, significa Deus misericordioso, e Hélio, significa Sol na origem e um gás na ciência. João Hélio, no Rio de Janeiro de 2007, significa sacrifício da inocência. Para além das culpas, dos seus desdobramentos   e dores terríveis, essencial é garantir um julgamento justo para os assassinos de uma criança. Nunca é demais contar até dez antes de tomar uma decisão. Há de se garantir o direito de defesa aos assassinos, que não deram direito algum a sua pequena vítima e desprezaram os gritos de alerta de uma mãe desesperada.

O Brasil é uma república federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus. Depois todos morrem. Uns vão antes. Mas é líquido e certo que estamos todos condenados. Matou, morreu. Não matou, morreu também. Para morrer basta estar vivo. Viver é muito perigoso. Óbito ululante. A violência de hoje é resultado de ontem, da história.

Os Estados Unidos, com uma população 50% mais numerosa do que a do Brasil, registra anualmente 16 mil homicídios. Os Estados Unidos aplicam a pena de morte cerca de 60 vezes por ano. Segundo a Anistia Internacional, existem no mundo, hoje, cerca de 20 mil pessoas no chamado corredor da morte, aguardando cumprimento da sentença. A China executa ao ano pouco mais de mil e quinhentas pessoas. O Brasil aplica, de fato, 40 mil vezes por ano, a pena de morte, apenas sem julgamento justo e formal. O julgamento se dá sumariamente no desenrolar do crime. Para atingirmos o nível per capta da violência americana, teríamos de baixar nossos crimes de morte de 40 mil ao ano para algo em torno de 8 mil. De cada cinco homicídios, pelo menos uns quatro estariam desaparecidos. De um certo ângulo, aplicar a pena capital significa apenas antecipar a sentença que a própria natureza prevê de forma inexorável para todos.

Mas sabem bem as pessoas mais exigentes do mundo, como Sêneca, que o tempo é o maior bem que a natureza fiou ao homem, e que, no mesmo patamar, o bem mais importante é a liberdade. Tirem-me tudo, menos a liberdade. Mas no Brasil, na tradição ibérica, além da liberdade, tira-se a dignidade física dos condenados, vivendo em celas nas quais só é possível dormir em turnos porque o corpo deitado ocupa três ou quatro vezes mais o espaço horizontal do que o corpo de pé. E assim se dorme em grupos de três turnos, com curras e outras formas de violência sexual, com o ar fétido da superlotação exalando o azedume da falta de higiene e da frouxidão da lei, omissa, mas de olho bem aberto na hora de garantir o direito dos legisladores e magistrados privilegiados pelos vencimentos acumulados, pelo poder aquisitivo que leva esses servidores a matricular filhos menores em escolas particulares e a cuidar da saúde mediante convênios e planos igualmente privados.

Nos Estados Unidos, um sétimo da população é negra. Mas os negros matam hoje 18 vezes mais brancos do que brancos matam negros ao longo de um ano. Aqui corrompemos as estatísticas, queimamos os processos da escravidão pela orientação de um jurista chamado Rui Barbosa. Aqui queimamos a história. Cada um que chegar ao fim do dia, se tiver um espaço suficiente para se deitar, agradeça a Deus por não estar na horizontal crivado de balas.

Especulando: é por causa das condições das cadeias do Brasil que os políticos e juízes, envergonhados, deixam o assassino sair em poucos anos. Altivos, condenam o réu a 19 anos de prisão, a 450 anos de prisão, mas de fato o condenado cumpre de três a seis anos, em média, porque não era pena de restrição da liberdade, mas de um cesto de tortura pelas vergonhosas condições desumanas.

Do lado de fora das celas, todo mundo no Brasil pode curtir carros reluzentes em alta velocidade nos comerciais da TV. Todo mundo pode curtir a preferência nacional, seja a loura gelada, seja a mulata desnuda, em fartura igualmente televisiva e esfuziante. E assim vamos matando de desejo a falta de tudo, a falta de inclusão geral. Imitamos

Tags:
Edição digital

 

Utilizamos cookies e outras tecnologias. Ao continuar navegando você concorda com nossa política de privacidade.

Concordo