Iraquianos mutilados por Saddam criam associação

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Publicado Quarta, 05 de Novembro de 2003 às 09:18, por: CdB

Os iraquianos que no regime de Saddam Hussein tiveram a orelha ou a língua cortada, ou a cara tatuada como castigo exemplar por deserção do exército ou por falar mal dos dirigentes criaram uma associação para recuperar seus direitos. Graças à Associação de tatuados e mutilados, que já conta com 3,6 mil integrantes, Saad Kazem Abdelwahed, de 28 anos, deixou de sentir que é um cidadão de segunda categoria.

No dia 10 de outubro de 1994, o Conselho de direção da revolução, a máxima instância de governo no Iraque da época, ordenou que lhe cortassem uma orelha por ter desertado do exército. "Não desertamos para trair nosso país e nosso povo, mas porque nos opúnhamos à política de Saddam e a sua paixão pela guerra", explica o presidente da associação, Haidar Mohammad, de 36 anos, que teve a mesma sorte.

"O desertor não somente perdia a orelha direita, mas seu cartão de racionamento (usado pelos iraquianos durante o período de embargo) e em seus documentos de identidade, figurava a menção: 'Sua orelha direita foi cortada por ser desertor'", explica outro de seus membros, Saadun Naim. Segundo ele, a finalidade da associação é devolver a dignidade a estas pessoas. "Pedimos ao Ministério do Comércio que lhes dê rações mensais, ao Ministério de Saúde que ofereça uma cirurgia plástica aos que têm tatuagem no rosto com um "X" ou a palavra "indigno", ao Ministério do Trabalho que os ajude a encontrar um emprego e ao Conselho de Governo Provisório que os indenize", explica Naim.

O dirigente disse que alguns iraquianos inclusive foram mutilados por erro. "Saíam de casa sem documentos de identidade. Outros eram mutilados mesmo depois da publicação de uma anistia", disse. Nestes casos, o Ministério da Defesa se limitava a enviar uma carta de desculpas. "As autoridades não sabem que a maioria destes jovens não se casou e, por exemplo, que as famílias iraquianas se negam a entregar-lhes suas filhas como esposas", lembrou. "Além disso, os que faziam qualquer crítica contra o regime, contra o presidente ou um dos membros de sua família, tinham a língua cortada", explicou Naim.

O advogado Yehya Abdelmohsen al Itabi, defensor dos direitos humanos, lembra que os mutilados são as "únicas pessoas vivas que escaparam do antigo todo-poderoso. "Tentamos reivindicar seus direitos ante as instituições públicas e organizações humanitárias, com o objetivo de tirá-los da marginalidade em que foram jogados", diz. "Tudo o que quero é recuperar minha honra e sentir que sou um cidadão como os demais, que não cometeu nenhum crime", afirma Saad Kazem Abdelwahed. "Desejo que as pessoas me respeitem e reconheçam que o que fiz foi justo", afirma.

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