Imperialismo brasileiro?

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Publicado Quinta, 04 de Maio de 2006 às 18:06, por: CdB

Qual teria sido a reação de Manuel Scorza, o escritor peruano autor de Bom Dia aos Defuntos, diante do gesto corajoso do presidente índio boliviano de nacionalizar as empresas estrangeiras que exploram o gás de seu país? Com sangue índio misturado com o dos antigos colonizadores, imagino que Scorza, morto prematuramente em 83, teria dado um grito de Libertad!

E de Guevara, abatido pela CIA na própria Bolívia, como se seu sangue não tivesse sido vertido em vão? Guevara tinha uma visão continental das Américas, tanto quanto Bolívar, e sabia que as fronteiras nada significavam, o importante era acabar com a exploração dos nativos pelos colonizadores.

Guevara sonhava com uma globalização no sentido inverso da aplicada nos nossos dias pelas multinacionais neocapitalistas, para as quais as fronteiras e os países nada significam. Não é preciso ser profeta para saber que o destino da independência dos povos americanos será o de seguir o exemplo europeu com a construção de uma grande União Latino-americana.

E qual seria a reação de Getúlio, o baixinho que enfrentou os americanos com sua bandeira do Petróleo é Nosso, embora no governo FHC tenham quase traído sua luta com a entrega de uma boa parte da nossa Petrobrás ? E do Monteiro Lobato que chegou a abrir poços em busca de petróleo no interior de São Paulo apesar da pressão norte-americana de que não existia petróleo no Brasil?

O que o presidente da Bolívia fez, nacionalizando empresas estrangeiras de petróleo, é uma enorme demonstração de coragem. Ora, alguns brasileiros mal orientados por uma parcela da imprensa-empresa sentem-se ofendidos em nome de uma  Petrobrás expoliada. Não se confundam as coisas. O petróleo quase que não é mais nosso, porém o gás é dos bolivianos.

Não vamos aderir ao espírito imperialista e colonizador, disfarçado em nacionalismo, dos donos da grandes empresas petrolíferas que nos fizeram abandonar as ferrovias e a eletricidade hídrica pelo transporte e energia vindos do petróleo.

O presidente índio Evo Morales é hoje um herói latino-americano. Mas é claro que muita gente pode sentir uma enorme dor de cotovelo por não termos visto essa mesma coragem em Brasília, em outros setores dominados por multinacionais estrangeiras. Evo Morales enfrenta os magnatas do petróleo e, como se não bastasse, a própria Coca-Cola, cuja fórmula secreta inclui folhas de coca.

O gás boliviano é da Bolívia e o lucro que possam ter com isso é para calçar o povo e fornecer comida e educação para a população. O Brasil quis tirar uma lasca da Bolívia, esquecendo as regiões brasileiras com miséria parecida com a dos bolivianos, e se ralou ? Azar, não deveria ter cedido à tentação dos atuais capitais mistos da Petrobrás.

Mas se o prejuízo é muito grande, não será tão difícil se compensar. Que nosso governo renacionalize tudo quanto privatizou a preço de banana o governo FHC. E nacionalize mesmo algumas multinacionais implantadas em setores diversos da nossa economia, altamente lucrativos. Porém, a hora não é de se enervar com Evo Morales, mas de se sentir vergonha do Brasil querer sugar o gás de um país hermano.

Rui Martins é jornalista, autor de Dinheiro Sujo da Corrupção, Geração Editorial.

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