Fraternidade e Saúde Pública

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Publicado Sexta, 24 de Fevereiro de 2012 às 11:53, por: CdB

O título deste artigo é o tema da Campanha da Fraternidade2012, promovida pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Iniciadana Quarta-Feira de Cinzas, a campanha se estende até o domingo de Páscoa e temcomo lema um versículo do livro do Eclesiástico: "Que a saúde se difunda sobrea Terra” (38, 8).

Saúde e tradição cristã estão intimamente associadas. Nosevangelhos, Jesus prima por curar física, psíquica e espiritualmente. Ao longoda história ocidental, a Igreja se destacou como provedora da saúde. De suainiciativa surgiram os primeiros hospitais, sanatórios e, no Brasil, SantasCasas de Misericórdia.

Nos santuários, de Aparecida a Juazeiro do Norte, a manifestaçãode fé do povo na cura -bênção de Deus por intercessão de santos-, aparece das"salas dos milagres”, onde se enfileiram os ex-votos.

Os bispos reconhecem os avanços da saúde no Brasil, como aredução da mortalidade infantil (na qual a Pastoral da Criança, iniciativa daDra. Zilda Arns, desempenha papel fundamental). Em 1980, eram registrados 69,12óbitos por 1.000 nascidos vivos. Em 2010, o índice caiu para 19,88.

A expectativa de vida no Brasil apresenta evoluçãosignificativa nas últimas décadas. Em 2008, a esperança de vida dosbrasileiros, ao nascer, chegou a 72 anos, 10 meses e 10 dias. A média entrehomens é de 69,11 anos e, entre mulheres, 76,71.

De 1980 a 2000, a população de idosos cresceu 107%, enquantoa dos jovens de até 14 anos apenas 14% (Ministério da Saúde, 2011). Em 1980, ascrianças de 0 a 14 anos correspondiam a 38,25% da população e, em 2009,representavam 26,04%. Entretanto, o contingente com 65 anos ou mais de idadepulou de 4,01% para 6,67% no mesmo período. Em 2050, o primeiro gruporepresentará 13,15%, ao passo que os idosos ultrapassarão os 22,17% dapopulação total.

A melhoria, no Brasil, das condições de vida em geral trouxemaior longevidade à população. O número de idosos já chega a 21 milhões depessoas. As projeções apontam para a duplicação deste contingente nos próximos20 anos, ou seja, ampliação de 8% para 15%. Porém, o percentual de crianças ejovens está em queda. Uma das causas é a diminuição do índice de fecundidadepor casal, que, em 2008, caiu para 1,8 filhos, o que aproxima o Brasil dospaíses com as menores taxas de fecundidade.

Como a mortalidade infantil ainda é alta em relação aosmelhores indicadores -19,88/1.000- verifica-se a preocupante diminuiçãopercentual da faixa etária mais jovem. Portanto, uma impactante transiçãodemográfica está em curso no país.

A julgar pelas projeções, essa transição demográfica mudaráa face da população brasileira. Segundo estimativas, em 2050, haverá 100milhões de indivíduos com mais de 50 anos, causando reflexos diretos no campoda saúde. Hoje, a hipertensão afeta metade dos idosos. Dores na coluna,artrite, reumatismo são doenças muito comuns entre as pessoas de 60 anos oumais.

O consumismo e a falta de educação nutricional mudam, agora,o padrão físico do brasileiro. O excesso de peso ou sobrepeso e a obesidadeexplodiram. Segundo o IBGE, em 2009, o sobrepeso atingiu mais de 30% dascrianças entre 5 e 9 anos de idade; cerca de 20% da população entre 10 e 19anos; 48% das mulheres; 50,1% dos homens acima de 20 anos[1] <#_ftn1> .Em suma, 48,1% da população brasileira estão acima do peso, e 15% são obesos.

Trata-se de verdadeira epidemia. Desde 2003, a POF (PesquisaOrçamentária Familiar) indica que as famílias estão substituindo a alimentaçãotradicional na dieta do brasileiro (arroz, feijão, hortaliças) pelaindustrializada, mais calórica e menos nutritiva, com reflexos no equilíbrio doorganismo, podendo resultar em enfermidades como o descontrole da pressãoarterial e o diabetes.

Apesar dos avanços, a Campanha da Fraternidade considera oSUS um "caos, sobretudo perante os olhos dos mais necessitados de seusserviços”.

Garantir à população direitos e recursos previstos naConstituição sobre a Seguridade Social (Assistência Social, Previdência Sociale Saúde) é um dos principais desafios na atualidade. Na contramão do que prevêa Constituição, são as famílias que mais gastam com saúde.

Dados do IBGE mostram que o gasto com a saúde representou8,4% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, em 2007. Do total registrado,58,4% (ou R$ 128,9 bilhões) foram gastos pelas famílias, enquanto 41,6% (R$93,4 bilhões) ficaram a cargo do setor público.

Nos países ricos, 70% dos gastos com saúde são cobertos pelogoverno e apenas 30% pelas famílias. Para especialistas na área de SaúdePública, o gasto total com a saúde, em 2009, foi de R$ 270 bilhões (8,5% doPIB), sendo R$ 127 bilhões (47% dos recursos ou 4% do PIB) de recursos públicose R$ 143 bilhões (53% dos recursos ou 4,5% do PIB) de recursos privados.

O orçamento da União para a Saúde, em 2011, foi de R$ 68,8bilhões. Deste total, somente R$ 12 bilhões foram investidos na atenção básicaà saúde, por meio de programas do Ministério da Saúde.

O Brasil conta com mais de 192 milhões de habitantes e 5.565municípios. Entretanto, vários municípios, principalmente das regiões Norte,Nordeste e Centro Oeste, não dispõem de profissionais de saúde para os cuidadosbásicos, sendo que, em centenas deles, não há médicos para atendimento diário àpopulação.

Cerca de 150 (78% da população) milhões de brasileirosdependem do SUS para ter acesso aos serviços de saúde. Pois não têm oprivilégio da parcela de 40 milhões que pagam planos privados de saúde, commedo da ineficiência do SUS.

"Vim para que todos tenham vida e vida em abundância”, disseJesus (João 10, 10). Se assim não ocorre, resta-nos fazer de nosso voto ecidadania pressão e exigência de uma nação saudável.

[Frei Betto é escritor, autor, em parceria com MarceloGleiser e Waldemar Falcão, de "Conversa sobre a fé e a ciência” (Agir).http://www.freibetto.org/> twitter:@freibetto.
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