Ex-vizinhos de Bin Laden no Paquistão sonham com volta à normalidade

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Publicado Quinta, 01 de Março de 2012 às 23:57, por: CdB

Operação que matou Bin Laden teve profundo impacto na vizinhança

O Paquistão começou a demolir, na semana passada, o complexo onde as tropas norte-americanas mataram Osama Bin Laden em 2011 - fato que marcou profundamente as pessoas que moravam nos arredores, na cidade de Abbottabad.

A BBC visitou o local e assistiu a três escavadeiras avançando sobre o que foi a última residência de Bin Laden. Viu o interior do quarto que, acredita-se, era ocupado pelo então líder da Al-Qaeda - ainda que a parte interna da casa já estivesse sendo desmontada.

Enquanto a equipe da BBC preparava seu pequeno satélite para fazer uma transmissão ao vivo, um garoto chegou correndo. "Ele quer que vocês vão embora", disse, sem ar. "O policial diz que vocês têm que ir."

O policial apareceu, com uma aparência irritada.

Virei-me para ele e pus minhas mãos uma contra a outra, em um pedido silencioso para que ele nos deixasse em paz por apenas alguns minutos. Pude ouvir seus resmungos enquanto eu fazia a minha transmissão, mas ele não nos interrompeu.

Em seguida, ele começou a reclamar não apenas que queria que fôssemos embora, mas também a respeito do que eu havia dito ao vivo.

"Você viu Bin Laden?", ele gritou para uma das crianças locais que se aglomeravam ao redor. A criança sacudiu a cabeça. "E você, viu?, ele perguntou a outra. A mesma resposta.

"Então do que essas pessoas estão falando?"

"Se a Al-Qaeda diz que ele está morto, como você pode ter dúvidas?", perguntei-lhe, com o pouco que sei de urdu.

'Desastre'

Demolição do complexo onde morou o líder da Al-Qaeda começou a ser feita na calada da noite

Nossa equipe caminhou, então, ao longo dos campos que havíamos visitado em maio passado, pouco depois da operação que matou Bin Laden.

Na época, o local estava repleto de curiosos, alguns fazendo piqueniques. Mas rapidamente o Exército paquistanês começou a se recuperar do choque a da humilhação a que foi submetido pela operação norte-americana, e o local foi fechado.

Nossa intenção, agora, era visitar Muhammed Niyyaz, que havíamos conhecido em maio de 2011. Ele era um dos vizinhos de Bin Laden em uma parte de Abbottabad conhecida como Bilal Town.

Como encanador, ele havia sido uma das poucas pessoas a entrar no complexo durante o período em que o líder da Al-Qaeda vivia lá.

Ele fora contratado em três ocasiões para substituir canos no jardim, mas diz que nunca viu Bin Laden.

"Essa história toda tem sido um desastre para nós", diz Niyyaz. "Isso mudou completamente a vizinhança."

Ele conta que a maioria das pessoas com dinheiro abandonou a região, deixando para trás imóveis vazios.

"Desde a operação (dos EUA), há agentes de segurança por todos os lados", diz. "Meus filhos ainda ficam com medo ao ver os policiais com suas armas."

Desvalorização

Segundo Niyyaz, o valor dos terrenos da região - antes uma área residencial pacífica e em expansão - despencou.

"Minha mulher estava desesperada para que o complexo fosse demolido. Ela odeia ser lembrada do que aconteceu aqui. Agora (com a demolição), talvez consigamos seguir em frente."

O Paquistão tampouco parece querer ser lembrado do episódio. Tanto que as escavadeiras chegaram a Abbottabad de surpresa, na noite do final de semana. A maior parte do trabalho de demolição aconteceu durante a noite, e as autoridades tentaram manter a imprensa longe dali.

"Desde a operação (dos EUA), há agentes de segurança por todos os lados. Meus filhos ainda ficam com medo ao ver os policiais com suas armas."

Muhammed Niyyaz, morador de Bilal Town

Claro que todo o país, e não apenas Bilal Town, sentiu o impacto da operação de maio. O Paquistão foi acusado de incompetência a conluio com a Al-Qaeda.

Assim como os moradores de Bilal Town lembra com saudosismo dos dias prévios à chegada dos fuzileiros americanos, todos os paquistaneses ressentem as pressões a que foram submetidos desde então.

Mas, quando questionadas, as pessoas de Abbottabad acabam admitindo a impressão de que ainda há muito a ser revelado sobre a vida militar local e os possíveis laços dos soldados com militantes extremistas.

E, em última instância, muitos paquistaneses concluem que nem todos os problemas vieram de fora, e muitos foram germinados até antes das tensões recentes.

Para as autoridades locais, no entanto, a estratégia parece se manter em linha com a adotada pelo policial do complexo de Abbottabad, que negava a passagem de Bin Laden por ali.

Para eles, aparentemente, a forma mais conveniente de lidar com o problema é comportar-se como se ele nunca tivesse aparecido.

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