Europa vive 'decadência'; Brasil se preocupa mas mostra confiança

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Publicado Sexta, 11 de Novembro de 2011 às 21:29, por: CdB

Europa vive 'decadência'; Brasil se preocupa mas mostra confiança Dias de 'walfare state' ficam para trás no Velho Continente. Explosão de dívidas estatais segura economia, e governos negociam saídas que vão produzir recessão e desemprego. Contribuição da região para PIB global é cada vez menor. 'Estamos vendo decadência da Europa', diz economista. Para Guido Mantega, bloco erra ao não apostar em saída 'pelo crescimento'. Segundo Dilma Rousseff, 'está nas mãos do Brasil' atravessar crise européia.

André Barrocal

BRASÍLIA – Europa já foi sinônimo e exemplo de Estado de bem estar social. Saída dos escombros das duas maiores catástrofes bélicas da história, construiu um padrão de vida para seus cidadãos que aliava oportunidades de ascensão, salário decente e proteção social a aposentados e desempregados.

A crise financeira mundial que explodiu em 2008 e agora recrudesce produziu, porém, uma reviravolta. Hoje, viver lá é desalentor. A economia patina, os empregos somem, os salários podem encolher de repente, como se viu primeiro na Grécia e, agora, na Itália.

E o pior é que há nada no horizonte a indicar uma reviravolta “do bem”. Ao contrário. As soluções postas na mesa para tirar o Velho Continente da forca têm tudo para prolongar a agonia. Aos países altamente endividados - motivo da catatonia européia -, propõem-se cortes de gastos públicos e recessão.

É algo que preocupa o Brasil, pelo impacto potencial nos rumos da economia global. Mas que, segundo as autoridades, não deverá afetar o país de modo muito dramático.

Em 2008, primeiro ano de uma crise que vai e vem como ondas do mar, a União Européia (UE) cresceu 0,7%. No seguinte, o produto interno bruto (PIB) do bloco despencou 4,2%. Em 2010, avançou 1,8% e, pelas mais recentes projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), vai repetir o fraco desempenho abaixo de 2% tanto este ano (1,7%) quanto no próximo (1,4%).

Entre 2002 e 2007, a UE contribuiu com um terço do crescimento global, segundo dados do FMI e do Banco Mundial citados em estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Essa contribuição deve cair para 24% em 2011 e 15% em 2012. A taxa de desemprego, que era de 8,5% antes da crise, deve atingir 10% em 2011 e ficar entre 9% e 10% até 2013.

“A economia européia está se transformando em uma economia oca, devido ao deslocamento do setor produtivo para outras áreas geográficas, especialmente a Ásia”, diz o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann. “O que estamos vendo na Europa é decadência: uma crise política aberta, quase uma volta ao colonialismo.”

Neocolonialismo?
O “quase colonialismo” ficou explícito na chantagem que Alemanha e França fizeram com a Grécia, quando a pátria da democracia cogitou perguntar aos cidadãos, em um plebiscito, se concordavam com o acordo com o Fundo Monetário Internacionl (FMI).

O empréstimo do FMI à Grécia exige em troca corte de gastos, o que compromete retomar o crescimento do país. Seria certamente derrotado nas urnas pelo voto de quem não vê futuro para si numa situação dessas. Não houve plebiscito, e o primeiro-ministro que ousara sugeri-lo, George Papandreou, juntou-se às 20 milhões de vítimas mundiais do desemprego pós-crise de 2008.

O poder político “quase colonial” de Alemanha e França pode ser entendido com um único número: 48%. É o peso dos dois países, segundo estudo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) divulgado quinta-feira (10), tanto no PIB da Zona do Euro, a moeda única de 27 nações da região, quanto na dívida pública dos mais endividados sócios do bloco.

O alto endividamento é a causa mais visível dos problemas continentais. A crise global de 2008, que começou com a quebra de um banco nos Estados Unidos, o Lehman Brothers, levou governos europeus a injetarem recursos em instituições locais, para evitar um efeito dominó. O dinheiro dado ao “mercado” foi sonegado da economia real, os países quase não cresceram, e o resultado foi que, em termos de peso no PIB, a dívida subiu.

Diante disso, os bancos antes socorridos passaram a temer um calote de seus salvadores-devedores. Para se proteger, sobem o juro cobrado na rolagem diária da dívida e pioram a situação. Em 2007, véspera da crise, a dívida grega, caso mais agudo na Europa, comia 105% do PIB. Hoje, bate em 165%, segundo o FMI. A da Itália, que acaba entrar no mesmo drama, passou de 103% a 121%. Na Irlanda e em Portugal, também já superam o tamanho do PIB. Na Espanha, quase dobrou (está em 67%).

PIIGS
Os cinco países compõem grupo batizado de PIIGS, coincidência com as iniciais de cada um que serviu a uma piada pejorativa que reflete como o andar de cima europeu enxerga os subúrbios (pig é “porco”, em inglês). A dívida acumulada dos PIIGS chega a incríveis 2,5 trilhões de euros, quase dois anos inteiros de riquezas geradas pela economia brasileira, considerando o PIB de 2010.

Para o governo brasileiro, que viu de perto negociações em busca de saídas para a crise européia durante reunião do G20 com a presença da presidenta Dilma Rousseff e do ministro Guido Mantega (Fazenda), as soluções seguem caminho impróprio. Prevalece o tipo de lógica (predomínio do sistema financeiro) que levou à crise, algo que também aconteceu no Brasil num passado não tão distante.

“Só programa de ajuste fiscal pode ser até pior, porque significa que o país [europeu endividado] vai ter um crescimento menor. Essa é uma diferença que nós temos de estratégia”, diz Mantega. “Uma coisa é certa: podem resolver o problema emergencial, mas a União Européia tem uma perspectiva de baixo crescimento.”

Uma recessão mais duradoura no Velho Continente tem ao menos duas consequências potenciais para o Brasil, além dos efeitos psicológicos sobre investimentos das empresas e dos especuladores do “mercado”.

Uma é no comércio exterior. Na última década o país diversificou os mercados que compram produtos brasileiros, mas a União Européia ainda é o destino de 20% das exportações, algo entre US$ 40 bilhões e US$ 45 bilhões ao ano. Contra isso, o governo conta com o mercado interno.

Outro efeito possível seria o aumento das remessas de lucros das filiais de multinacionais européias para suas matrizes cobrirem prejuízos ou reforçarem os balanços. Mas contra isso – a saída de divisas - o Brasil possui uma reserva de dólares confortável (350 bilhões). Sem contar que, com o mundo em crise, deve continuar o fluxo de dólares ao país comandado por especuladores atrás de lucro com o juro do Banco Central.

Para Dilma Rousseff, que acha que a União Européia passará por uma crise de “médio prazo”, o Brasil tem todas as condições para enfrentar a decadência da região, ainda que não saia incólume. “Nós dependemos da nossa própria capacidade. Está nas nossas mãos manter o investimento, manter o emprego, continuar crescendo e, ao mesmo tempo, preservando as condições que distinguem o Brasil."


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