EUA e a obscura arte da propaganda

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Publicado Terça, 06 de Setembro de 2011 às 07:47, por: CdB

Por Amy Goodman, do Democracy Now, no sítio Carta Maior:“Quando se mente, deve-se mentir grande e ser fiel a essa mentira”, escreveu Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda do Reich alemão em 1941. O ex-vice-presidente Dick Cheney parece ter adotado o famoso conselho nazi em seu novo livro: “Em meu tempo”. Cheney continua sendo fiel a suas convicções em temas que vão desde a invasão do Iraque até o uso da tortura. Durante uma entrevista ao programa Dateline, da NBC News, ele disse em referência às revelações deste livro: “Elas farão rolar muitas cabeças em Washington”. As memórias de Cheney seguem as de seu colega e amigo Donald Rumsfeld. Enquanto ambos promovem sua própria versão da história, há gente que os desafia e enfrenta.O título do livro de Rumsfeld, “Conhecido e desconhecido”, provém de uma tristemente célebre resposta que deu durante uma conferência de imprensa no Pentágono quando era ministro da Defesa. No dia 12 de fevereiro de 2002, quando tentava explicar a falta de evidências vinculando o Iraque às armas de destruição de massa, Rumsfeld disse: “Há conhecidos que conhecemos, há coisas que sabemos que sabemos. Também sabemos que há conhecidos que desconhecemos, o que quer dizer que sabemos que há algumas coisas que não sabemos. Mas também há coisas desconhecidas que desconhecemos, aquilo que não sabemos que não sabemos”.A enigmática declaração de Rumsfeld tornou-se famosa e emblemática de seu desdém pelos jornalistas. É considerada como um símbolo das mentiras e manipulações que levaram os Estados Unidos à desastrosa invasão e ocupação do Iraque.Uma pessoa que se convenceu graças à retórica de Rumsfeld foi Jared August Hagemann.Hagemann se alistou no exército para servir seu país, para fazer frente às ameaças que repetidamente mencionava o ministro da Defesa Rumsfeld. Quando o soldado do comando do exército dos EUA recebeu a carta de notificação para seu mais recente deslocamento ao campo de batalha (sua esposa não lembra se era o sétimo ou oitavo), a pressão foi demasiada. No dia 28 de junho de 2011, Jared Hagemann, de 25 anos de idade, atirou em su mesmo na base conjunta Lewis-McChord, perto de Seattle. O Pentágono disse que Hagemann morreu por causa de um ferimento de bala “auto-infligido”, mas ainda assim não falou em suicídio.Jared havia ameaçado se matar várias vezes antes. Não era o único. Segundo se informou, cinco soldados cometeram suicídio em Fort Lewis em julho. Estima-se que mais de 300 mil soldados que voltaram da guerra padecem de transtornos de stress pós-traumático e depressão.A viúva de Hagemann, Ashley Joppa-Hagemann, inteirou-se de que Rumsfeld autografaria exemplares de seu livro na base. No dia 26 de agosto, Ashley entregou a Rumsfeld uma cópia do programa dos serviços fúnebres em memória de seu falecido esposo. Ela me contou: “Disse que queria ele tivesse vindo ao enterro do meus esposo e assim poderia conhecer o rosto de pelo menos um dos soldados que perderam a vida por causa de suas mentiras em relação a 11 de setembro”.Perguntei acerca da resposta de Rumsfeld: “Todos o que lembro é ele dizendo: “Ah, sim, ouvi algo sobre isso”. E, logo em seguida, tudo o que lembro é de ter sido agarrada pelo pessoal da segurança, empurrada para fora e advertida para não regressar”. Infelizmente é o sargento Hagemann que nunca mais regressará á sua esposa e seus dois pequenos filhos.Em sua entrevista para a NBC, Cheney afirmou ter um desempenhado um papel na renúncia do então secretário de Estado, Collin Powell. Sobre isso, consultei o ex-assessor de Powell, o coronel Lawrence Wilkerson, que respondeu: “Pelos trechos que li, não li todo o livro, a coisa mais impactante dita pelo vice-presidente em seu livro é que ele teve algo a ver com o afastamento de Colin Powel de seu cargo, em janeiro de 2005. Isso é um disparate total”. Mas importante, porém, é o chamado de Wilkerson, exortando a que os envolvidos em levar o país à guerra no Iraque sejam responsabilizados por seus atos, o que implicaria um castigo para ele próprio.Um pilar central da invasão do Iraque foi o discurso de Powell no dia 5 de fevereiro de 2003 nas Nações unidas, no qual expôs o caso das armas de destruição em massa. Wilkerson assume plena responsabilidade pela coordenação do discurso de Powell: “Infelizmente, e já reconheci isso muitas vezes pública e privadamente, fui a pessoa que preparou a apresentação de Colin Powell ante o Conselho de Segurança das Nações Unidas no dia 5 de fevereiro de 2003. Provavelmente foi o maior erro da minha vida. Lamento este dia até hoje. Lamento não ter renunciado nesse momento”.Perguntei ao coronel Wilkerson o que ele pensa de grupos como o Centro pelos Direitos Constitucionais e do advogado e blogueiro Glenn Greenwald que pediram o julgamento de Cheney, Rumsfeld e outros funcionários do governo Bush. Ele me respondeu: “Estaria pronto a testemunhar, e estaria disposto a enfrentar qualquer castigo que mereça”.O coronel Wilkerson disse sobre o livro de Cheney: “É um livro escrito sem medo. Sem medo de que, algum dia, alguém faça de Dick Cheney um Pinochet”. O coronel Wilkerson se refere ao caso do ditador chileno Augusto Pinochet, que foi preso na Inglaterra e detido durante um ano antes de ser liberado. Um juiz espanhol queria que o extraditassem para julgá-lo por crimes contra a humanidade.A poucos dias do décimo aniversário do 11 de setembro e enquanto aumentam as vítimas em todos os lugares, os livros de Rumsfeld e Cheney nos lembram uma vez mais qual é a primeira vítima da guerra: a verdade.* Amy Goodman é apresentadora de Democracy Now! um noticiário internacional diário, nos EUA, de uma hora de duração que emite para mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em 200 emissoras em Espanhol. Em 2008 foi distinguida com o "Right Livelihood Award" também conhecido como o "Premio Nobel Alternativo", outorgado no Parlamento Sueco em Dezembro. * Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desse artigo.* Tradução de Katarina Peixoto.

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