Direito à segurança pública: questão de vida ou morte para a democracia

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Publicado Sexta, 02 de Março de 2012 às 08:40, por: CdB

Greves das PMs, Cracolância, Pinheirinho, Guarani-Kaiowá, osextrativistas Zé Cláudio e Maria, Irmã Dorothy, Eldorado Carajás – episódiosque deixaram um rastro inominável de violações de direitos e vidas humanas, nosquais pouco se reconhece o país justo e democrático, depositário de esperançasde um novo mundo possível e uma sociedade civil exemplarmente organizada. Nemtanto, nem tampouco.

O sentido de urgência nos assalta como estopim socorrista em meio àssituações de violência. O custo social é muito elevado e rebate invariavelmentesobre as populações mais vulneráveis. O legal e o legítimo se debatem nosmomentos cruciais obrigando os legisladores a desengavetar projetos bemintencionados ou elaborados no calor da última tragédia. Esse déficitrepublicano de "ir atrás do prejuízo”, parece decorrer da ausência de umacultura política preventiva associada à outra notória que é a baixa efetividadedos Direitos Humanos no Brasil.

A criminalização da pobreza está na base das desigualdades brasileiras efoi particularmente emblemática no caso do Pinheirinho – foi a certeza de quesetores médios de uma cidade rica estariam se livrando daquele incômodo urbanoe aprovaria a "limpeza” de uma propriedade, cujo titular Naji Nahas, conhecidoespeculador, tantas vezes visitou as barras dos tribunais. O que virou motivode orgulho de operação militar da PM paulista, preparada por longos meses, nãomereceu do governante a atenção para evitar o crime básico de violar o direitohumano à moradia (à educação, à saúde...) expondo 1.500 famílias à indigência eao desamparo. Do outro lado da moeda a insegurança pública que afeta o conjuntoda sociedade em escalas letais contra a juventude, sobretudo, pobre e negra –ao mesmo tempo vítima e presa fácil à cooptação para redes clandestinas e oclientelismo político.

O peculiar neste rosário de violações marcadas pela criminalização dosmovimentos sociais é a greve das polícias militares, logo elas, braçospreferenciais da repressão, agora também elas, criminalizadas. Esquerda edireita estão divididas entre si e dentro de si quanto à avaliação eposicionamento frente às mobilizações das polícias cada vez mais frequentes ede efeitos que parecem escapar ao controle do chamado estado democrático dedireito. O registro de 150 greves em 15 anos por diferentes estamentospoliciais indicam que a calmaria é momentânea porque tudo está por resolver.

A complexidade decorre tanto da herança da ditadura mal resolvida naConstituição Federal, cuja massa crítica, à época, não teve força política paraenfrentar a questão de desmilitarização das polícias, como da contaminação desetores do aparato policial com o crime organizado. E, ainda, do despreparo dosgovernantes de diferentes matizes político-ideológicos – até compreensíveldiante do terreno pantanoso entre sublevações inaceitáveis de um entulhoautoritário, em todo caso legal, e as justas reivindicações de servidorespúblicos expostos a escalas inumanas de trabalho, ao risco de vida e ao soldode baixos salários que induzem a bicos e ilegalidades.

Contudo, os dias de pânico vividos pela população baiana em decorrênciada greve da PM evidenciaram outros jogos em disputa e destamparam nossaproximidade da barbárie. Lojas saqueadas, pessoas intimidadas, ônibus comobarricadas, viatura escolar incendiada. A imagem de grevistas encapuzados eempunhando armas e o escudo humano formado por familiares. Foram cometidosquase 170 homicídios no período. Um momento propício para acerto de contas,matança de moradores de rua, um número significativo de execuções e muitos comindícios de envolvimento de policiais ou ex-policiais. Esta é uma conta que nãofecha e a democracia não suporta.

Reconheçam-se os esforços importantes em curso para enfrentar estequadro crucial à democracia com o Pronasci, que traz o conceito de unidadespacificadoras, associando o desmonte de territórios controlados pelo crimeorganizado e o Estado chegando, ainda que tardiamente, e com muitos cacoetesautoritários, diante dos quais o controle social comunitário busca criticamenteintervir. A esse respeito, analistas e consultores reconhecidos, como LuizEduardo Soares, avaliam que as UPPs – Unidades de Polícia Pacificadora nãoresistirão se, ao mesmo tempo, não se produz a reforma das polícias no sentidode sua desmilitarização. Seria uma nova arquitetura institucional quepermitisse a organização das polícias no ambiente de uma cultura políticasindical amadurecida em bases democráticas, saindo dos desvãos de associaçõessemi-clandestinas, superando o que chama de "movimentos disruptivos nos quaisse destacam os mais impetuosos, cuja liderança negativa acaba sendo fortalecidapor governantes acuados”.

De parte da intrincada malha de grupos e associações de cabos esoldados, oficiais, policiais federais, agentes penitenciários, guardasmunicipais, de delegados, peritos, enfim, vale mencionar o notável esforço deposicionamento e convergência saído da 1ª Conferência de Segurança Pública, emmeados de 2009, destinado a produzir uma Política Nacional de SegurançaPública. Dela decorreu um elenco de 10 princípios e 40 diretrizes, a destacaras que tratam da segurança pública como atividade eminentemente civil, desvinculando-adas forças armadas, direito à sindicalização e revisão do regime disciplinar.

Falando em direitos, o da Segurança Pública decorre do artigo 144 daConstituição e reza ser um dever do Estado e direito de todos, prega apreservação da ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio. Ocaso do Pinheirinho é a pura negação destes preceitos. Mas a reação dosmovimentos sociais e demais setores democráticos foi exemplar. Continuaremoslutando e cobrando mudanças estruturais para além dos próximos incêndios.

[Texto editorial da CESE para o Informes Abong].

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