Descobertos poemas "cometidos" por João Gilberto em Juazeiro

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Publicado Quinta, 01 de Agosto de 2002 às 08:57, por: CdB

Voltam à luz os arroubos literários do poeta João Gilberto, fato até hoje desconsiderado em sua biografia. Modestos, forjados pela paixão, os versos do artista esquecidos no passado não chegam a constituir uma obra propriamente dita. "Regina" e "Pingos Molhados", seus primeiros dois poemas conhecidos, foram publicados em 1978, numa edição quase artesanal em Juazeiro (Bahia), cidade onde nasceu João Gilberto do Prado Pereira de Oliveira, em junho de 1931. Os poemas estão no livro intitulado "Re-vista, Velha Poesia Nova", organizado pela professora aposentada de inglês Regina Cussa (que nada tem a ver com a do título do poema). A organizadora da coletânea, que traz os trabalhos de outros 28 artistas atuantes em Juazeiro, conta que os publicou sem que João Gilberto soubesse: "Dedé [José Eurico Pereira de Oliveira], irmão dele, me deu. João se surpreendeu ao ver editados. Chamou-os de" poemazinhos", riu e me repreendeu com carinho", lembra Regina. Teria João Gilberto se dedicado mais à poesia? "Eu acho que não. Acho que foi um momento de nostalgia. Juazeiro inspira a gente", diz. De acordo com a professora, os versos foram escritos no final da década de 40, quando João Gilberto estava indo embora de Juazeiro. Foram impressos mil exemplares do livro. A descoberta dos poemas causa espanto pelo fato de ele ter escrito pouco e ser mais conhecido como intérprete. Entre suas raras composições, estão "Bim-Bom", "Hô-ba-la-lá" e a instrumental "Um Abraço no Bonfá". "Eu não sou poeta, não. Poeta é Drummond", afirmou João Gilberto ao amigo e conterrâneo Maurício Cordeiro, que também é cantor e compositor, quando este comentou sobre a existência dos poemas. A admiração por Carlos Drummond de Andrade é antiga. No livro "Chega de Saudade, a História e as Histórias da Bossa Nova", o autor Ruy Castro descreve a cena de um João Gilberto fã do poeta mineiro, que teria até conseguido um autógrafo do criador de "A Rosa do Povo". O encontro se deu na avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro. Segundo Ruy Castro, João Gilberto chamou Drummond de "mestre" e ele, assustado, autografou um envelope pardo, que João acabaria perdendo tempos depois. A Regina de João Gilberto é, na vida real, Regina Lúcia Falcão Reis. Aos 63 anos, ela mora em Petrolina, em Pernambuco, cidade vizinha a Juazeiro. O poema foi um presente de João Gilberto à amiga. "Já tinha ouvido falar disso. Alguém me mostrou os versos, há cerca de 20 anos, numa folha datilografada, que infelizmente acabei perdendo em meio a várias mudanças". Regina é viúva, tem três filhos e seis netos. Conviveu com João Gilberto por muitos anos. "A família de João é minha família de coração. João é um irmão para mim. O poema é lindo, delicado e sensível, como a música de João Gilberto", completa Regina. O que o jovem João Gilberto fazia na época em que escreveu os dois raros poemas? A cidade só tinha energia até às 22h e, segundo os amigos próximos, João gostava das noites e das madrugadas. Não deixava de tomar um prato reforçado de caldo de mocotó, feito de pé do boi, no Café Papagaio, em Juazeiro. "Na maioria das vezes, comia frio", revela Maurício Cordeiro, "porque ele se distraía nos acordes do violão". Adorava tocar o instrumento no cais da cidade, em companhia do parceiro Edésio Santos, olhando para o rio São Francisco. Era vocalista do grupo Enamorados da Lua, que tinha mais três integrantes. Ele se apresentava em cinemas em cidades próximas de Juazeiro, como Senhor do Bonfim e Jacobina. O repertório vinha das ondas da Rádio Nacional. Eles tocavam Ary Barroso, Dorival Caymmi, Geraldo Pereira. A banda Enamorados da Lua durou cerca de três anos - e foi a vida de João Gilberto dos 15 aos 18 anos, segundo Luiz Galvão, biógrafo do artista. "João Gilberto admirava Os Cariocas e era exigente com o som, com a afinação", conta o biógrafo. Coincidência do destino, João Gilberto acabou se tornando crooner do grupo Namorados da Lua, anos mais tarde na cidade de São Paulo, quando começou a solidifi

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