A Vida dos Outros, o Oscar estrangeiro

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Publicado Segunda, 26 de Fevereiro de 2007 às 17:38, por: CdB

O Oscar de filme estrangeiro para o filme alemão AVida dos Outros, prêmio do Público no Festival de Locarno, onde estreou em agosto, é o reconhecimento de um importante filme, misto policial e político sobre o papel da Stasi, na antiga Alemanha Comunista.Vi o filme em Locarno e segue o comentário feito na época, logo após a projeção.

Sucesso de bilheteria na Alemanha, o público da Piazza Grande, centro nevrálgico com nove mil cadeiras do Festival Internacional de Cinema de Locarno 2006, pôde ver, numa estréia internacional, A Vida dos Outros (Das Leben der Anderen), primeiro longa-metragem do cineasta alemão Florian Henckel von Donnersmaark.

O cinema alemão, assim como o teatro, tem um rigor e uma profundidade, vindos de uma dramaturgia, de uma literatura, sem se referir à filosofia, rigorosos. Seus filmes podem ser, por isso, pesados, intrincados e difíceis. Porém, quando a receita é boa, se transformam em obras de extraordinária perfeição. É o caso de A Vida dos Outros.

Se a comédia suíça das viúvas fabricantes de lingerie provocantes fez o público se levantar numa manifestação de alegria, a história alemã, inspirada no controle exercido sobre os intelectuais da ex-RDA, Alemanha comunista, pela polícia secreta, a Stasi, colocou os espectadores colados nas cadeiras pela carga pesada de emoções e pelas cenas finais capazes de provocar um soluço ou um arrepio - mesmo no mais frio dos mortais.

Independente e forte

O que é esse primeiro filme de um jovem cineasta, de 33 anos, nascido em Colônia, Alemanha Ocidental na época do comunismo, feito com apenas dois milhões de euros, pela pequena empresa de produção Wiedemann & Berg, sem apoio dos distribuidores alemães? Diante das filas nos cinemas alemães, poucos sabem que os próprios atores trabalharam sem esperança de serem pagos e que, por durar mais de duas horas, seu diretor temia ser obrigado a usar a tesoura e comprometer a estrutura do filme.

Exceções surgem no mundo fechado do monopólio dos distribuidores de filmes - foi a Buena Vista Internacional quem aceitou a distribuição, sem cortes, e que, provavelmente, levará o filme ao Brasil. É a história de um escritor e de sua amiga atriz da RDA, em 1984, que, embora lido no Ocidente, não tinha ainda caído em desgraça, mas colocado sob escuta por microfones instalados em sua casa, e seguido por um ambicioso, frio e meticuloso capitão do serviço secreto, a pedido do próprio ministro da Cultura.

Patrulha

Dreyman, o escritor, passa para a revista Der Spiegel, um texto sobre o elevado número de suicídios na Alemanha comunista, motivados pelo desespero, num país vigiado por mais de cem mil espiões de uniforme cinza. Fora as denúncias de maridos, esposas, amigos que se vigiavam e entregavam relatórios periódicos à Stasi, confirmados, depois da queda do Muro de Berlim, pelos arquivos dessa polícia secreta digna de O Processo, de Kafka.

Filme político-policial, inspirado em fatos reais, A Vida dos Outros conta que o desejo de liberdade expresso por intelectuais alemães da época e os acordes de piano de uma sonata de Beethoven puderam agir sobre um policial decepcionado com sua administração, a ponto de levá-lo a proteger o alvo de suas investigações, mesmo com prejuízos pessoais.

Para escrever seu filme, von Donnersmarck, entrevistou vítimas da Stasi e antigos membros deste aparelho policial, que, nos anos 80, tinha se transformado num corpo independente dentro da Alemanha comunista. O clima é de um filme de espionagem, mas, ao mesmo tempo, transmite a certeza de que os regimes autoritários não conseguem durar e nem ser infalíveis.

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