A inversão dos sentidos no jornalismo brasileiro

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Publicado Sábado, 04 de Novembro de 2006 às 06:45, por: CdB

Um estudo de caso

Grande reportagem na Folha de S.Paulo da última quarta-feira (1) abriu com a revelação de que, "dois dias após a reeleição" de Lula, o PT divulgou "discretamente" no seu site o programa do presidente para "democratizar os meios de comunicação"(1). Já começou com duas mentirinhas. O programa estava no site do PT desde o sábado, véspera da eleição. E com grande destaque. Por que essas duas mentirinhas? E por que abrir a reportagem com informações que, mesmo verdadeiras, seriam acessórias? Posso aventar duas hipóteses. Primeiro, para reapresentar, como se fosse novidade, algo já noticiado. O mesmo repórter deu essa mesma "notícia" dois meses antes. Segundo, para passar a idéia de que o PT sonegou do eleitor uma informação que era essencial para ele decidir o voto, só a revelando depois da reeleição. Uma espécie de estelionato eleitoral.

Quase em seguida, outra mentirinha. A reportagem diz que ficou de fora da versão final do programa a exigência para que outorgas e renovações de concessões de rádio e televisão passem pelo crivo de ´conselhos populares´, expressão colocada entre aspas para que não fique nenhuma dúvida. Mas o programa do PT nunca usou essa expressão, nem mesmo no texto prévio submetido à aprovação política do comitê de campanha. Foi o jornalista quem a inventou, na sua primeira reportagem em agosto.

Mais adiante, uma série de pequenas supressões altera o sentido da proposta do PT de apoio à imprensa escrita independente.O programa propõe "incentivos legais e econômicos visando ao barateamento dos custos de produção e distribuição, que permitiriam a diminuição do preço de venda, para aumentar o número de leitores no país". O repórter omitiu a expressão "valorização da mídia impressa" do início da frase, omitiu os mecanismos propostos (barateamento de custos e de distribuição) e o objetivo geral de "aumentar o número de leitores". E ainda acrescentou que esses jornais e revistas teriam apoio de bancos públicos e agências de fomento, proposta que está em outro lugar, bem diferente do programa, quando se discute a necessidade de dar prioridade na economia brasileira à indústria de produção de bens simbólicos, apenas reforçando o que já é uma postura desses bancos de dessas agências de fomento de priorizar a produção regional e a democratização desde muito antes do governo Lula (2).

O resultado desse conjunto de pequenas omissões e deslocamentos foi inverter o sentido de que se trata de uma política pública de aplicação universal e com o objetivo democratizante para o seu oposto: de que o PT pretende usar bancos públicos para favorecer certos jornais e revistas. A diferença fica clara neste parágrafo da proposta, que o repórter também omitiu: " As iniciativas aqui propostas podem ser aplicadas para os meios privados, públicos e estatais, sempre tomando como diretriz norteadora que o surgimento do maior número possível de produtores deve atender à democratização do acesso da sociedade aos meios de comunicação".

Pequenos erros e omissões fazem parte de toda narrativa jornalística. São inerentes ao ato de informar rapidamente. Se forem erros graves, devem ser corrigidos de imediato. Nesta história do programa setorial do PT de Comunicação e Democracia, o importante é o processo todo pelo qual uma proposta bastante ampla, detalhada, que tem o objetivo de descobrir caminhos democráticos de tornar mais plural e acessível a informação no Brasil, foi deformada pelos próprios jornalistas e tratada como uma proposta autoritária e tentativa de controle dos meios de comunicação.

O primeiro ato desse processo que consegui localizar partiu da própria Folha em furo de reportagem em 28/08/06(3). A matéria teve enorme repercussão, sendo reproduzida em dezenas de sites que tratam de mídia. Tornou-se a referência desse tema na grande imprensa. Essa reportagem já fazia o deslocamento que associa estritamente à mídia impressa a propos

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