A esquerda no divã

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Publicado Segunda, 08 de Janeiro de 2007 às 10:35, por: CdB

Sempre pensei que, entre tantos amigos e  amigas, seria um dos poucos a morrer sem ter feito análise. Hélio Pellegrino, de quem fui muito amigo, sugeria que talvez o fato de viver em comunidade, em  permanente relação dialógica, onde no passado não faltou nem a confissão  auricular, explicasse essa minha insistência de coabitar pacificamente com  meus anjos e demônios.
 
Acresce-se a isso o hábito de  escrever e, ao fazê-lo, me revirar pelo avesso. A literatura é um os mais  terapêuticos ofícios, tanto que Freud se viu tentado a preferi-la às ciências  da psique. Com ele, entretanto, ganharam as duas, a ciência e a literatura, já  que possuía um estilo cativante.
 
Na entrega do prêmio  "Brasileiro do Ano", dia 11 de dezembro, o presidente Lula declarou: "Fiquei  vinte e tantos anos criticando o Delfim Netto e hoje sou amigo dele. É a  evolução da espécie humana. Quem é mais de direita vai ficando mais de centro.  Quem é mais de esquerda vai ficando mais social-democrata, menos à esquerda. E  as coisas vão confluindo de acordo com a quantidade de cabelos brancos que  você vai tendo. Se você conhecer uma pessoa muito idosa esquerdista é porque  ela está com problema. Mas se conhecer uma pessoa muito nova de direita também  está com problema. Quando a gente tem 60 anos é a idade do ponto de  equilíbrio. A gente se transforma no caminho do meio, aquele que precisa ser  seguido pela sociedade."
 
O presidente talvez esteja lendo  textos budistas e, tomara, abraçando as virtudes do caminho do meio  recomendado por Sidarta. Ou quem sabe prefira santo Tomás de Aquino, que  acentuava que "a virtude reside no meio". Nada de extremos, como frisou o  presidente.
 
A opção social-democrata do presidente já havia  se evidenciado no primeiro mandato, quando abraçou uma política econômica  neoliberal, reservando cerca de R$ 10 bilhões/ano ao Bolsa Família e R$ 100  bilhões/ano ao Bolsa Fartura dos credores da dívida pública - o que vem  entravando o sonhado e prometido desenvolvimento  sustentável.
 
Atribuir razões psicológicas a quem, acima de  60 anos, é de esquerda, significa remeter ao analista eminentes figuras  históricas: Fidel, Ho Chi Minh, Niemeyer, Antonio Candido, dom Pedro  Casaldáliga, dom Tomás Balduíno, Florestan Fernandes, Apolônio de Carvalho,  Mário Pedrosa, Elza Monerat, João Amazonas, Gregório Bezerra etc. É o que Bush  e tantos direitistas pensam: só pode ser louco quem ainda sonha com o fim da  desigualdade social ou um "outro mundo possível".
 
Mais  preocupante do que associar esquerda e "problema"  é considerar um sinal  de "evolução da espécie humana" sua recente amizade com Delfim Netto, que  assinou o AI-5 e ocupou vários ministérios sob a ditadura militar: Fazenda  (1967-1974), Agricultura (1979) e Planejamento (1979-1985). No governo Médici,  sonegou os índices de inflação, prejudicando os trabalhadores, o que levou  Lula a liderar um amplo movimento operário pelos direitos de sua classe.  Delfim jamais fez autocrítica de sua conivência com o regime ditatorial que  prendeu, torturou, assassinou, baniu, exilou e fez desaparecer centenas de  pessoas. Ao contrário, justificou-o em seus escritos. E equivoca-se o  presidente ao tentar atenuar a gravidade da ditadura brasileira comparando-a  com a do Chile. A dor é irrivalizável.
 
Se ser direita ou de  esquerda é uma questão patológica me parece secundário. Como diz o poeta, de  perto ninguém é normal. A questão é mais profunda: como se posicionar diante  desse mundo em que 2/3 da população vivem abaixo da linha da pobreza? Segundo  a ONU, 4 bilhões de seres humanos sobrevivem com renda mensal per capita  inferior a US$ 60. Ou US$2 p

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